O iniciado Português


A iniciação

Tinha as pernas abertas, as nádegas assentavam sobre uma maca branca, e o cenário era horrendo, hediondo. Uma lâmina acutilante perfurava-lhe o interior das coxas, devagar, suavemente, lentamente a ponta de uma espécie de bisturi ia-lhe perfurando e trespassando uma das zonas mais sensíveis do corpo, o interior das coxas. As pernas estavam arqueadas e abertas, os pés estavam unidos e a posição relembra um ritual sa
crificial, tortuoso, inconcebível ao mais comum dos mortais, aos profanos que por certo não estão preparados para acolher certos ideais iniciáticos.

A lâmina afiada, acutilante, aguçada, aguda continua a rasgar a pele. Vai desde o baixo ventre, atravessa a zona das virilhas e chega à extremidade dos joelhos, sempre pelo interior das pernas, depois passa para a zona dos gémeos. A lâmina é incisiva, perfurante a deixa um rasto de pasta liquefeita de tom avermelhado, presumindo-se ser sangue. Depois a ponta do bisturi chega à zona do calcanhar, dirigindo-se para a zona da planta do pé. O corte na planta do pé é profundo e a dor é insuportável, a tortura é atroz, dirão as mentes mais sensíveis, mas o ritual é imprescindível dadas as vicissitudes da situação. A ponta da lâmina dirige-se agora para a planta do outro pé e toma o caminho ascendente pela outra perna até à zona do umbigo.

A boca do iniciado encontra-se amordaçada com uma rédea própria para a zona da face. Tapa-lhe a boca não o deixando sequer suspirar. A dor é inimaginável, é atroz e hedionda, forte e compulsiva, o individuo entra imediatamente em espasmos e convoluções, torce-se, estica-se, mas o seu corpo permanece firme preso pelas correias que o seguram. Mas a que se deve tal cenário que o comum dos mortais imaginava ver apenas em cenas inquisitórias da idade média? A resposta é deveras muito simples, trata-se do método iniciático associado a todas as sociedades secretas. De seguida vêm as agulhas, as suas temperaturas são extremamente ferventes, são escaldantes, a cerca de cento e cinquenta graus cada uma, estão inseridas numa caixa firme que as suporta e que tem a forma, a silhueta da parte frontal do corpo humano de pernas abertas com os pés juntos. As agulhas estão hirtas e firmes, fervorosas, escaldantes e ferventes aproximam a sua extremidade ao corpo do homem jovem que se encontra na maca. A outra extremidade das agulhas encontra-se ligada a um dispositivo electrónico que gera corrente eléctrica e sendo as agulhas de metal os electrões impulsionados por forças físicas até recentemente ocultas estão prontos a dirigir-se a velocidades luminosas pelo parco e frágil corpo do homem.

O suporte que sustenta as agulhas desce lentamente, e estas num estado fervente começam a perfurar a carne. O homem contorce-se, treme, torce-se, geme, mas as agulhas já perfuraram, e os electrões sequiosos de um corpo condutor, que formam cargas positivas e negativas nas extremidades das agulhas, começam a fluir pela carne tenra. A corrente eléctrica é enorme e fugaz, é impulsiva, ora tem picos cujos valores debitam elevados amperes ora tem baixios que não provocam dores, é a tão denominada corrente alternada, mas aqui com uma frequência muito baixa perceptível ao jovem que é torturado. O mais banal dos profanos não consegue encontrar a génese para tanto sofrimento, mas a resposta é deveras simples. Encontra-se nas teorias de diversos estudiosos no foro da psicologia; é preciso explicar através da experiência dolorosa que certos actos são assim puníveis se por acaso o novo homem se desvirtuar.

O homem novo vai ser absorvido pela sociedade secreta, e vai ter acesso a conhecimentos que são desconhecidos aos comuns dos profanos, precisa de ser ensinado que certas atitudes desviantes são punidas com a dor extrema. Só assim pensam os iniciados, os mesmos que já passaram pelo mesmo processo, se atinge a rectitude e a obediência. Mas porquê este homem está a ser torturado, está a passar por este processo tortuoso? É um homem recto, probo, íntegro, vertical, inteligente. É por isso mesmo. Este mesmo jovem já era observado secreta e muito discretamente pelos iniciados há cerca de dez anos. Observavam-no, vigiavam secretamente os seus movimentos, as suas atitudes, os seus escritos, as suas relações pessoais, mas sempre muito discretamente, e asseveraram-se que este homem era bondoso e caridoso, e que mais tarde haveria de ser um dos iniciados. E como o colocaram nesta maca branca?

Deus é perfeito e criou o homem à Sua semelhança, mas há que tentar compreender a que imperfeição humana faz parte da perfeição divina.

O homem, tem sempre um ponto fraco, algo por revelar, algo que não transmite ao seu mais próximo. O homem tem sempre algo secreto, um pequeno pecado mortal luxuriante, uma transgressão ética ou moral, ou se deixa secretamente atrair por outros seres do mesmo sexo, ou frequenta discretamente lupanares entregando-se aos prazeres da carne, ou vagamente corrompe, ou inala ocasionalmente substâncias ilícitas, ou num momento de maior angústia e sofrimento, desrespeita os amigos e a família; e estas sociedades que o observavam secreta e discretamente, colaboraram para que o homem se afundasse no vale sensorial e pecaminoso para que o apanhassem num momento ímpio de delírio emocional. 


Será que o homem novo tinha tendências homossexuais recalcadas, será que tinha desejo, sendo probo e recto, de se envolver com alguma luxuriante e voluptuosa concubina, será que o homem num momento de desespero emocional se entregou aos vícios da droga, será que corrompeu? Os iniciados provocaram o evento, desencadearam a captura. O homem novo, quando ainda profano, revivia energicamente todos aqueles anúncios apelativos de musas a trocarem momentos de prazer a troco de numerários acessíveis à sua condição financeira, o homem intrigava-se e vivia num dilema moral. Será que se devia entregar aos prazeres da carne com uma musa voluptuosa que pedia única e exclusivamente como retorno umas poucas quantias numerárias? Folheia o jornal, e depara-se com um éden maravilhoso, centenas de sereias de portos de abrigo, sereias de terra seca, incutiam no homem sensações luxuriantes, sensações vigorantes, viçosas, que o exuberavam interiormente. Folheava o jornal diariamente, e questionava-se se tais actos seriam puníveis pelo todo o poderosos, pela divindade que acreditava, questionava-se se tais actos eram reprimíveis pela conduta social, intrigava-se interiormente se se deveria entregar a actos libidinosos com uma deusa, não por afecto ou por amor, mas pura e simplesmente por tensão carnal. Vivia num dilema interior, será que os ímpetos primordiais, será que os ensejos primários deveriam subjugar o intelecto e a razão? Será que a besta, relembrando aquela clássica dicotomia entre a besta e o anjo; será que a besta se deveria sublevar rechaçando a razão para patamares inferiores? Grandes homens da ciência haviam morrido virgens! Grandes filósofos e teólogos haviam perecido às mãos do divino sem nunca terem presenciado as ímpias sensações do foro corporal! E o homem intriga-se, sendo inexperiente ele também no domínio das sensações erógenas, e não tendo companheira com a qual pudesse partilhar os momentos amorosos, intrigava-se se se poderia entregar aos prazeres imundos da libido. E os iniciados que o observavam sabiam-no, observavam-no secretamente e sabiam-no, sabiam tudo sobre o novo homem, e sabiam mais sobre o ego e as sensações do homem, que ele próprio sabia sobre si mesmo. Com todos estes conhecimentos, os iniciados da ordem secreta prepararam a cilada, a captura para o processo iniciático.

Dias antes os iniciados haviam capturado e sucumbido aos seus preceitos uma mulher deveras bela e formosa. Seria o chamariz perfeito! A sua beleza observava os tratados divinais mais exigentes. As linhas do seu corpo, obedeciam não só aos preceitos luxuriantes mais exigentes, mas mais importante ainda, estavam de acordo com os desejos singulares do homem a capturar. Haviam estudado os prazeres e os gostos pessoais do homem a iniciar, haviam indagado sobre o tipo de mulher que mais lhe aprazia. O nome obedeceria a preceitos numerológicos ocultos que incutiriam no novo homem o desejo insaciável. O nome seria Cátia, nome luxuriante, que começa com uma consoante forte, terceira letra do alfabeto e por sinal sendo a terceira evoca a fertilidade associada ao número três. A onomástica é uma das ciências que os iniciados bem conhecem, mas não apreciam revelá-la aos profanos. O número de contacto da meretriz, teria que ser apelativo, lembrando aqueles anúncios publicitários que passam normalmente de madrugada na televisão onde o número seis está bem presente. O seis é um número, que por exemplo nas línguas germânicas, é luxuriante dada a similaridade silábica com o acto fervoroso da concepção. A frase a publicar no jornal seria apelativa e irrecusável, e a meretriz, ciosa da sua função de chamariz, atenderia apenas aquele número específico, o número do celular do homem a iniciar. Haviam sido criadas as condições perfeitas para que o homem se sentisse atraído por aquele contacto específico. O anúncio seria um dos primeiros do jornal e com lugar destacado. Os iniciados conheciam muito bem aquilo que atraía o homem, conheciam-no bem, eram sabedores e estavam bem cientes dos seus desejos mais interiores, conheciam a sua alma e os devaneios do seu ego.

Um telefone móvel, colocado em cima de um pequeno armário vibra, apela aos seus possuidores que se movam na sua direcção. Cátia, ciente da sua tarefa, e já bem treinada pelos iniciados, atende com uma voz luxuriante a chamada do homem a iniciar. A voz da meretriz era singular, tinha sonoridades que incutiam nos homens as sensações mais primárias, a voz sensual feminina possuía frequências auditivas que ressoavam e vibravam com o interior do homem mais fervoroso. Depois de atendido o telefonema, deu-se o primeiro passo, a conversa era deveras sublime, sensual, tinha frases cheias de carga erótica, onde se estabeleciam as normas contratuais do acto a consumar, estabelecia-se o local da perversão, o numerário, e as posições mais atraentes e libidinosas. O homem sentia-se constrangido, inibido, falava pausada e nervosamente sobre todas as normas que haveriam de ser estabelecidas sobre a sua iniciação nos actos lascivos do corpo. Era a troca de termos e sensações auditivas que ansiara desde há vários anos, queria estabelecer um contacto erógeno com uma sereia dos sentidos carnais, já há várias Primaveras. Estabelece-se o local a hora combinadas, estabelece-se o numerário, estabelece-se as condições do acto propriamente dito.

Chegado o dia do acto luxuriante, no local e hora estabelecidas, dá-se o impacto, a entrega à lascívia, os corpos unem-se num acto nada afectivo, nada carinhoso, dá-se o impacto, a confrontação carnal, os deuses que proclamam e reiteram sobre todas as normas morais por certo se sentiriam indignados com tamanho ultraje sobre a conduta moral de um homem supostamente probo. Dá-se a confrontação corporal. Os corpos unem-se, e o homem, nervoso, constrangido moralmente, entrega-se aos beijos de uma concubina que o coloca num estado eruptivo, quer psicologicamente, quer libidinosamente. Os beijos são ardentes, os toques das mãos são exuberantes, envolvem-se num acto conspicuamente mútuo e enérgico. Abraçam-se, os corpos entrelaçam-se, as pernas cruzam-se, e Cátia sacia o desejo mais ardente do homem que se inicia agora nos desígnios da carne. A tensão aumenta de forma exponencial, frases eróticas são permutadas por estes dois seres de sexo oposto que se unem num quarto de uma qualquer pensão da cidade. O desejo é solto no mais alto dos sentidos, sem que qualquer reprimenda moral o iniba, o homem solta-se, liberta-se dos constrangimentos colocados pela sociedade, e a viçosa concubina exacerba ainda mais os ímpetos do homem a iniciar. A tensão aumenta, e num estágio final o clímax é atingido. É a este momento posterior ao acto quase bélico da libido, que são dedicadas todas as epopeias, todas as odes, todos os revigorantes épicos, é a este momento de apoteose colectiva que se aplaudem as mais extaseantes sinfonias dos mais ilustres compositores. É neste momento de arrebatamento e de enlevo emocional, que os pianistas suados devido aos vários minutos em frente ao piano a interpretar uma sonata, enérgica e violentamente pressionam as teclas e se demovem em espasmos emocionais, com a conclusão alcançada no final da mesma. O êxtase tinha sido atingido, e o homem era já um iniciado no campo do desejo carnal. Mas ainda não era iniciado no campo do transcendental e do oculto. Para tal, haveriam de ser os iniciados da ordem secreta, a fazer com que o novo homem passasse para o campo do oculto. E para tal uma concubina é apenas um chamariz. Uma meretriz pode eventualmente ser o passo para a iniciação carnal, mas não o é para a iniciação no campo das ciências ocultas.

O homem encontra-se deitado com Cátia, encontra-se relaxado, tem uma conversa circunstancial. De repente entram três homens encapuzados e armados com facas e armas de fogo. Proferem palavras agressivas atentórias a qualquer ser humano. Gritam, vociferam termos incutidos de raiva e cólera. Dizem estar a mando do proxeneta de Cátia e gritam com ela alegando que a matam e a estripam por esta não pagar a quantia necessária ao proxeneta. O homem é também ameaçado de morte, e ele diz ter dinheiro para saldar a sua dívida. Cátia desesperada diz que no momento não tem condições financeiras para saldar a sua dívida. Os homens armados ignoram o seu suplício e um deles puxa o gatilho. A bala viaja a velocidades enormes e cheia de energia cinética, pois esta é proporcional ao quadrado da velocidade e apenas linearmente proporcional à massa da bala. O peso da bala é insignificante, o factor essencial é a sua velocidade. A bala que depois de sair da câmara da arma viaja até à testa de Cátia e trespassa-a, entra no cérebro mole da jovem com facilidade, e sai pela nuca da pobre rapariga. Para os iniciados, Cátia era um chamariz dispensável, pois o objectivo maior seria assustar e capturar o homem a iniciar. A ele dão-lhe uma pancada na cabeça de lado e este desmaia e fica inconsciente. Acorda mais tarde numa maca branca onde é severamente torturado e molestado, onde as suas pernas são cortadas com bisturis e o seu corpo é trespassado por agulhas com potencias eléctricos. O torturador diz sempre que o há-de matar no final do processo, e homem apenas pede a morte o mais rapidamente possível; pensa energicamente que quer morrer. Num pequeno momento o torturador tira a rédea que tapa a boca do iniciado, e este suplica cheio de energia para que o matem de uma vez, dada a dor que está a sentir. Grita, suplica que quer a morte, apenas a morte lhe trará paz e sossego e não mais a continuação daquele sofrimento insuportável. O homem finalmente é sedado e adormece.

Acorda numa sala onde vários ilustres o rodeiam e um deles diz serenamente:
- Bem-vindo meu caro, agora que já pediste para morrer, nós conscienciosos do teu suplício decidimos aceder ao teu pedido.
O novo homem observa-se e apercebe-se que está vivo, que ainda está vivo, e que aliás deveriam ter passado muitas horas ou talvez dias, pois as feridas haviam todas sarado. O mestre afirma novamente:
- Tu estás vivo, porque renasceste, aqui serás baptizado, terás um novo nome, novos princípios. Passaste pelo processo de iniciação, agora serás um de nós. Farás parte da ordem. Percebe meu caro, que desde tempos imemoráveis que os homens se unem em tribos, classes, grupos étnicos, unem-se porque têm algo em comum que apreciam partilhar. Mas quando partilham sabedoria que não é compreendida ao comum dos profanos, o processo iniciático tem que ser penoso.
Desculpa caro irmão, todas as ordens têm processos iniciáticos, os católicos têm o baptismo onde as cabeças dos iniciados dos bebés são inseridas em água benta, os judeus têm a circuncisão, certas tribos onde se idolatram os jacarés aos novos membros é cortada a carne na zona dorsal para que se assemelhe a um jacaré. Acharias meu caro, que por acaso nas sociedades ocidentais mais desenvolvidas não haveriam processos iniciáticos no saber. Os grandes mestres foram iniciados, os grandes músicos e pintores, os grandes cientistas. Nós não tememos o divino, regemo-nos pura e simplesmente pela razão, pelos valores do iluminismo. A arte e a ciência são os nossos ícones meu caro, e tu sendo bondoso e probo soubemos valorizar-te a rectidão, como tal queríamos que fosses um de nós. Não o encares como uma absorção, mas como um abraço colectivo. Aqui serás protegido, serás encarado como um irmão, como um de nós
- E a Cátia, a mulher com que me envolvi emocionalmente.
- Não me interpretes mal, meu caro, mas a mulher voluptuosa com que te envolveste seria apenas o isco para que te trouxéssemos até junto de nós. Não me leves a mal, meu caro, mas a tua entidade, era bem mais importante que a vida da Cátia. Compreendo a tua preocupação, mas a tua relação com a rapariga foi meramente carnal. Ajudar-te-emos a encontrar uma companheira que ames, e que sacie também os teus ímpetos da libido. O saber que aqui encontrarás é secreto, foi transmitido de gerações em gerações desde há milénios, sem nunca ter sido colocado nas mãos de profanos, exactamente porque entre nós pratica-se algo muito importante que é a obediência. A obediência proclama que nunca transmitirás para o exterior o que vires ou o que aprenderes aqui. E se tal se proceder, que bem sei que nunca irá acontecer, e
que se contam pelos dedos de uma mão os casos que aconteceram desde há milénios, se tal acontecer; bem, creio que já presenciaste o suficiente para te aperceberes para as consequências dos actos desviantes. A dor que te incutimos serviu apenas para te mostrar meu caro, para fazer com que a tua psique se reja por princípios inesquecíveis de rectitude. Não o encares como um processo maquiavélico, encara-o, se quiseres meu caro, como um ensinamento corporal. Agora farás parte de nós, ajudar-te-emos em tudo o que precisas, temos os nossos contactos, temos os nossos meios. Pergunto-te meu caro, estás disposto a receber-nos assim como nós estamos carinhosamente dispostos a acolher-te?
Um silêncio gelado atravessa o salão, o novo homem responde:
- Sim, estou.
Ouvem-se palmas sublimes de homens mascarados e todos se dirigem ao novo homem, cada um cumprimenta-o e profere um bem-vindo. O mestre aproxima-se e diz para que todos o ouçam:
- Bem-vindo irmão, terás agora que fazer um pequeno juramento.
As instruções do juramento a efectuar são entregues ao novo homem, através de um papiro, o homem lê-o lentamente, passam alguns minutos e depois profere de forma calma:
- Juro defender a pátria portuguesa, a cultura e a língua portuguesas, professo os valores da igualdade, fraternidade e liberdade, juro defender os valores intrínsecos a esta nova ordem que me acolhe, juro defender todos os valores consagrados na nossa constituição, juro preservar de forma inequívoca os valores da língua de Camões e transmitir todos estes preceitos às gerações vindouras. Juro defender a integridade do estado, da nação e de todas as ordens similares à nossa no campo internacional. Concluindo, juro reger-me por um comportamento digno e obediente às normas aqui estabelecidas.


Trinta anos depois - A subjugação

O homem já deixou de ser novo, carrega consigo algumas pequenas rugas, a velhice não é avançada, mas a sua idade ronda agora os cinquenta anos, já subiu vários patamares na hierarquia da ordem que o acolheu. Já teve cargos importantes quer no
campo político, quer no campo económico. Continuou a reger-se por padrões de integridade e de probidade. A sua conta bancária subiu significativamente desde que foi iniciado, tentou sempre pautar a sua doutrina pelos valores que havia jurado trinta anos antes. Escreveu vários livros, onde emancipou no campo internacional a cultura portuguesa. Foi sempre obediente aos preceitos que havia jurado e nunca ousou divulgar aquilo que presenciara nas reuniões secretas onde havia estado, nem nunca divulgou os ensinamentos ocultos que tinha assimilado ao longo destes trinta anos. Teve vários casos amorosos, conheceu várias raparigas e envolveu-se com muitas delas, mas tentou sempre ser fiel e honesto com cada uma delas, enchendo-as de paixão e amor quase platónico. Casou, sendo sempre fiel no mundo profano à sua esposa, mas em festins secretos deixava que a sua libido se entregasse aos prazeres carnais com várias parceiras pertencentes à mesma ordem, em rituais que se assemelhariam a uma homenagem ao antigo deus romano da ebriedade.

Uma manhã cedo o homem acorda, tendo a esposa a seu lado e liga o rádio. Ouve aquelas sonoridades estrangeiras, música anglo-saxónica, tudo músicas cantadas em Inglês com aquelas batidas apelativas ao ego dos indivíduos. A música cantada nesta l
íngua e com estas sonoridades é quase omnipresente no espaço radiofónico nacional e o homem sente-se intrigado com o juramento que havia feito trinta anos antes. Continua a ouvir a mesma música e muda de estação, mas em Português ouve apenas palavras, comentadores políticos, sempre a mesma monotonia, ouve raramente uma música cantada na língua camoniana e volta a ouvir novamente músicas de traços primordiais cantadas na língua de Sua Majestade. Apercebe-se que os jovens idolatram este género musical, as gerações vindouras não mais valorizarão a cultura que havia assimilado. Os nomes dos estabelecimentos comerciais evocam todos essa língua estrangeira, as cadeias de restaurantes estão repletas de termos anglo-saxónicos e nos cinemas os filmes têm todos origem no novo mundo sempre falados na mesma língua, e até quando são filmes nacionais é escolhida uma língua estrangeira para os representar. 


Volta-se para a mulher, olha-a firmemente nos olhos e profere as ternas palavras:
- Dir-te-ei sempre na nossa amada língua: Amo-te.

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