Da superstição e da ciência


Dirá o bom senso do indivíduo mais letrado e erudito, que a ciência e a superstição são incompatíveis. Tentarei todavia demonstrar, que aquilo que se define por vezes por superstição, tem uma forte componente científica, mais especificamente no domínio da psicologia. Para tentar compreender cientificamente a superstição, é preciso enquadrá-la dentro de algumas ciências ditas exatas; elas são a psicologia evolutiva, a neurologia e a psicanálise.

Da psicologia evolutiva

A psicologia evolutiva estuda os processos evolutivos da mente humana, desde os primeiros australopitecos. Lembremo-nos que os primeiros antepassados do Homem, os australopitecos, datam de há cerca de 7 milhões de anos. Já o homem moderno, o Homo Sapiens, tem cerca de 200 mil anos; mas as primeiras cidades, e aquilo que podemos definir de civilizações, apareceram apenas depois da revolução do neolítico, ou seja, há cerca de nove mil anos. Significa então que aquilo que definimos por civilização, representa apenas três por cento do tempo de existência do Homem como o conhecemos, o Homo Sapiens, e apenas 0,1 porcento desde o aparecimento do Australopiteco. De referir ainda que os fatores psíquicos não racionais, ou seja, os de raiz primária, são comuns a todos os mamíferos. O sistema límbico do Homem, donde provêm os instintos, é mais antigo do ponto de vista evolutivo que o próprio Homem, sendo que todos os mamíferos são dotados de sistema límbico.

Ao longo desse período, os homens e mulheres associaram na sua psique alguns atos e observações, com certos fenómenos que deveriam ser frequentes. Em acréscimo, a noção de humanidade ou direitos como hoje conhecemos, não existiam. Assim por exemplo, enquanto à fêmea cabiam as tarefas de cuidar da prole, ao macho cabiam as tarefas de caçar ou de proteger a tribo. Tal padrão, é comum aos primatas e a muitos mamíferos. Ora esse padrão comportamental, fez com que a mulher desenvolvesse menos a parte muscular e adaptasse o seu corpo para a procriação. A mulher é em média mais baixa, para poder assim baixar o seu centro de massa, tem maiores reservas de gordura na zona posterior do corpo, quer para centrar o centro de massa, quer para poder suster o seu corpo e o de um feto, em caso de gravidez. O homem desenvolveu com maior preponderância a sua parte muscular, e a sua capacidade de raciocínio lógico e abstrato, pois ao sair da zona de conforto para caçar, de forma mais frequente, obrigou-o a desenvolver capacidades de raciocínio espacial que lhe permitiam orientar-se. A mulher todavia desenvolveu com maior incidência, as suas capacidades comportamentais em sociedade. Há que realçar ainda que a grande maioria dos primatas e dos mamíferos são poligâmicos, enquadrando-se mais especificamente na poliginia. Significa que ficando as mulheres no local de conforto, e tendo de lidar com os demais membros da tribo, desenvolveram com maior incidência as suas capacidades sociais de inter-relacionamento pessoal.

Com o desenvolvimento das civilizações, as diferenciações primárias foram sendo diluídas, primeiro com a instituição das sociedades sedentárias e monogâmicas, e por fim com o Humanismo e o seu Racionalismo inerente, que geraram os direitos sociais e humanos, que foram gradualmente enquadrados na vida das civilizações. Todavia ficaram alguns fenómenos comportamentais, que associamos à feminilidade e à masculinidade. Aplicar os termos homem ou mulher não deverá ser correto, pois o que define cada um deles nos dias de hoje, ultrapassa em muito a componente primária, enquadrando-se perfeitamente no desenvolvimento humano. Podem existir mulheres muito objetivas e com pensamento lógico e abstrato muito desenvolvido, como homens sensíveis e efeminados, pois para lá da sua componente primária, o que os define é a sua Humanidade. Por isso, aplicam-se os termos masculino e feminino, para fazer referência às suas componentes primárias. Assim ao feminino associamos passividade, fraqueza, subjetividade, criatividade, capacidades sociais, criação artística e maior resistência à dor (devido à dor do parto). Ao masculino associamos virilidade, força, objetividade, racionalidade, fracas capacidades sociais, fraca criatividade, pouca propensão artística, e pouca tolerância à dor.

Da neurociência

A neurociência diz-nos ainda que o cérebro está dividido por uma série de porções, que apesar de não funcionarem de forma autónoma, nelas podem ser identificados alguns processos psíquicos e motores. Mas talvez a divisão mais importante que a neurociência aponta, é aquela que divide o cérebro em duas partes ou hemisférios, o esquerdo e o direito, sendo que o esquerdo controla o lado direito do corpo, e vice-versa. O hemisfério esquerdo do nosso cérebro está assim de certa forma associado às nossas capacidades lógica e abstrata, ao cálculo mental, à racionalidade e à objetividade; controlando o lado direito do corpo humano. O hemisfério direito do cérebro tem porções que lidam com os sentimentos e emoções, com a criatividade, com o domínio das relações sociais e com a criação artística, controlando o lado esquerdo do corpo.

Mas essa divisão é muito semelhante àquela que está associada ao homem e à mulher. Por isso a esquerda, é assim efeminada e a direita masculinizada. Tal facto explica uma série de fenómenos histórico-políticos, desde o esticar da mão direita para a saudação romana, posteriormente adaptado pelo fascismo e o nazismo; até ao republicanismo fortemente marcado por uma componente efeminada, como o símbolo da própria República. Um dado interessante é que existe similaridade entre a palavra direito e direita, havendo uma associação entre praticamente todas as línguas europeias entre o conceito de correto e a palavra direito. Em acréscimo, a palavra esquerda em italiano grafa-se como sinistra.

Da superstição

Muitas das superstições explicam-se apenas com esta dualidade esquerda-direita. A de entrar com o pé direito em algum local, ou a de colocar primeiro o pé direito no piso da casa ao acordar ou ainda de vestir alguma peça de roupa, primeiramente com um membro direito. Outras têm uma componente psíquica óbvia, como a que refere que “um espelho partido dá azar”. Ao nos observarmos a nós próprios, de forma disforme através de um espelho partido, criamos no subconsciente, um sentimento primário que por certo os nossos antepassados tinham quando se observavam na água, após terem a face desfigurada por algum ataque. A que refere que “os gatos purificam uma casa” explica-se pelo facto de os gatos serem excelentes predadores de ratos, sendo que os ratos durante milhões de anos, foram um contágio de doenças, e é por isso que os tememos instintivamente. Assim o nosso subconsciente fez uma forte associação entre os gatos e a salubridade anti rataria. Já a que refere que “um gato preto à noite dá azar” prende-se com o facto de durante a evolução do Homem, um dos predadores mais frequentes serem os felinos, e de efetuarem os seus ataques à noite, com alguma espécie de camuflagem, sendo essa camuflagem muito provavelmente a cor do pelo. “As treze pessoas à mesa”, explica-se pelo facto de haver uma forte ligação inconsciente entre a feminilidade e o número treze, pelo facto de o período da mulher ser aproximadamente igual ao período da lua, todavia por vezes de forma dessincronizada, ou seja aproximadamente treze vezes por ano.

Precisarei de refletir noutros casos, se o caro leitor apresentar uma superstição comum, posso tentar ponderar sobre a sua justificação científica, considerando os pressupostos supra mencionados.

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