O automóvel, um alienígena na cidade


Campo Grande; Lisboa. Fonte: imagens dos mapas do Google

As cidades, desde o seu surgimento há cerca de sete mil anos, sempre foram o local de encontro de diferentes pessoas e culturas, pois contrastavam com a ruralidade, mais homogénea do ponto de vista geocultural. Por essa altura, uma boa parte dos indivíduos que vivia fora das cidades ainda era essencialmente nómada; já nas cidades, o fenómeno do sedentarismo estava definitivamente instituído. A cidade teve um papel extremamente importante no desenvolvimento das civilizações. Antes dos Romanos ou dos Gregos, os homens já eram sedentários, fenómeno que apareceu após a revolução do Neolítico, há cerca de 10 mil anos, e já tinham havido também civilizações complexas, como no Egito ou na Mesopotâmia; mas foram os clássicos  (Gregos e Romanos) que incutiram à cidade os conceitos de ordem, política e civilização que hoje conhecemos.

Na Grécia clássica, pólis significava cidade, termo que deu origem em português a palavras como políticos (habitantes da pólis ou cidadãos), política (relativo à cidade), cosmopolita (ordem da cidade) ou ainda metropolitano (relativo à medida da cidade). Os Romanos por outro lado, tiveram também um papel muito importante na administração das cidades, sendo que a própria palavra cidade provém do Latim (civitas), dando origem a palavras como civilização ou civismo. Outra palavra latina, urbanus, fazia referência às matérias pertencentes à cidade, e além de dar origem à palavra urbano, deu interessantemente também origem, à palavra urbanidade, que em oposição à ruralidade, com o desenvolvimento da língua, foi associada também ao conceito das boas regras de educação e de conduta cívica; aliás como a própria palavra civismo.

A questão moral das dívidas


A dívida é recentemente o mecanismo financeiro com que banqueiros e agiotas, sem ser preciso produzir, escravizam os povos, estrangulando-os com juros compostos e obrigações financeiras exponencialmente crescentes. Um empréstimo de apenas 100€ com uma taxa de juro composto de 5% ao ano, resulta numa dívida, volvidos 40 anos, de cerca de 700€; ou seja, sete vezes o valor inicial. O problema das dívidas, é que os eleitores encaram-nas como se de amigos ou família se tratasse, incutindo-lhes um valor moral. Não há moralidade perante agiotas, que agem quase sempre de forma calculista, sem quaisquer pressupostos morais; todavia sabem incutir nos povos ditâmes morais, que remontam ao período de influência da Igreja, que ditava que era feio não pagar as dívidas; mas por essa altura também era heresia cobrar juros.

Não defendo que não paguemos dívidas, digo apenas que o não pagamento de uma dívida numa economia de mercado, é tão-somente o não cumprimento de um contrato financeiro, algo que é deveras comum nas economias modernas. Quantos contratos de pagamento de telemóvel, televisão, eletricidade, água, casa, são incumpridos todos os dias na Europa? E não é por isso que lhes incutimos um valor moral. Nunca denominamos caloteiro alguém que não pagou a mensalidade do seu cartão de crédito, ou que se esqueceu de pagar a mensalidade da eletricidade. A Igreja teve uma enorme influência na forma como hoje encaramos uma dívida; pois numa altura em que não havia crédito bancário, só os filantropos e os caridosos emprestavam dinheiro, sem juros diga-se pois cobrá-los era pecado. Ora não pagar a alguém caridoso que nos empresta dinheiro sem juros, é de um desrespeito e frieza atrozes. Assim, a Igreja e o sentimento Cristão incutiram na moralidade dos povos sob sua influência, que era imoral não pagar uma dívida. Mas um agiota não é caridoso e por outro lado pratica juros compostos, que faz com que a dívida tenha um crescimento exponencial. Em acréscimo a função dos juros é não só cobrir a inflação, mas também o risco de incumprimento. Logo, não há quisquer normativos morais a ter em conta perante um incumprimento de uma dívida contraída numa economia de mercado onde os juros estão presentes. Quaisquer analogias, como demagogicamente vamos ouvindo, com "as dívidas a amigos ou à família", é estupidez ou ingenuidade.