Da xenofobia e psicologia evolutiva, e da teoria dos conjuntos


Um dos grandes problemas das questões políticas contemporâneas é que as massas tendem a ter muitas dificuldades em conseguir fazer a distinção entre subconjuntos de conjuntos principais, e elementos isolados desses conjuntos principais, tais elementos não sendo pertencentes ao referido subconjunto. Mas tal tem uma razão de ser e a explicação reside na psicologia evolutiva. É mais fácil para a estrutura cognitiva cerebral, no que concerne à organização social do indivíduo, identificar e pressupor as características de um outro indivíduo que desconhece, através de denominadores comuns que esse indivíduo desconhecido partilha com outro grupo de indivíduos, cujas características gerais são conhecidas de muitos. Complicado? Vamos a um exemplo computacional e pragmático.

Se num determinado bairro da cidade soubermos por experiência própria que duas padarias vendem pão saboroso, é-nos mais fácil apenas dizer, que naquele bairro o pão é saboroso, mesmo que não tenhamos visitado todas as padarias do bairro. Seria uma tarefa muito exaustiva para o cérebro; considerando que a nossa memória não foi concebida, através da evolução, para funcionar como uma base de dados computacional; sabermos com exatidão o sabor do pão de todas as padarias que já visitámos na cidade. É-nos mais fácil agrupá-las em bairros e categorizá-las correspondentemente em função do bairro a que pertencem. É mais fácil, porque mesmo do ponto de vista computacional, tal é um processo que exige menor espaço em memória. Imaginemos que existem mil padarias na cidade e que após habitarmos na cidade vinte anos, já tivessemos visitado metade dessas padarias, ou seja, quinhentas. Caso quiséssemos fazer um juízo "justo" e completo, a nossa cognição seria obrigada a possuir uma entrada, ou seja, espaço cognitivo, para cada padaria, esse espaço tendo, por exemplo, um campo para o nome, outro para o local e outro para uma classificação binária sobre se o pão era ou não saboroso. 

No caso da ciência computacional, tal processo de armazenamento, considerando que o espaço para cada padaria seria d, ocuparia 500 vezes d, ou mais simplesmente em notação matemática 500d. Neste caso imaginemos, como atrás exemplificado, que d é a soma dos campos para o nome, local e sabor do pão, sendo as suas representações respetivamente n, l e s; ou seja, E(d)=E(n)+E(l)+E(s), em que a função E(x) nos dá o espaço ocupado pelo campo x. Ora, se agruparmos as padarias em bairros, a título de exemplo considerando que a cidade tem dez bairros, para armazenar a componente s do sabor do pão, em vez de a nossa memória precisar do espaço 500E(s), precisaria apenas do espaço 10.E(s), ou seja, um espaço cognitivo cinquenta vezes menor. O que o nosso cérebro faz, para não gastar o espaço equivalente a 500(E(n)+E(l)+E(s)), é agrupar as padarias por bairros, fazendo assim uso de uma segunda base de dados cerebral, a base de dados dos bairros, que podemos considerar que tem três campos, o do nome do bairro (nb), do local onde o bairro se encontra (lb) e do sabor do pão do bairro (sb). Assim, o nosso cérebro faz apenas uso de uma base de dados equivalente cujo espaço que ocupa é 10(E(nb)+E(lb)+E(sb))+500(E(n)+E(l)), um valor substancialmente menor que 500(E(n)+E(l)+E(s)) pois, em princípio 10(E(nb)+E(lb)+E(sb))<500(s), visto ainda que, considerando que E(s)=E(sb), esta inequação é equivalente a 10.E(nb)+10.E(lb)<490.E(sb), o que é bastante verosímil considerando que o espaço cerebral para o nome do bairro e para o seu local, nunca será substancialmente superior ao espaço alocado para o sabor do pão.  É fácil também perceber que o espaço para o local ocupado com o agrupamento por bairros, isto é, E(lb), é também menor que E(l), pois um bairro é localmente muito mais abrangente que uma padaria, e por isso exige menor informação cognitivo-geográfica, aumentando ainda mais o fator de compressão no tamanho da nossa base de dados cerebral.

Resumindo, a classificação cognitiva por grupos, por mais imprecisões que possa ter, foi a forma mais eficaz e evolutivamente bem-sucedida, que o Humano arcaico encontrou para categorizar as coisas que observara, mais especificamente os outros seres humanos. É um método bem-sucedido, porque, além de estatisticamente ter margens de erros baixas, permitiu uma poupança substancial nas ligações cognitivas neuronais, deixando espaço cognitivo, talvez, para o uso em outras capacidades cerebrais. Lembremo-nos ainda que os hominídeos no Paleolítico viviam em tribos, famílias, etnias ou grupos, e por conseguinte, tal processo cognitivo, aparentou ser o mais bem-sucedido para classificar os elementos das outras tribos. Em acréscimo, quando as tribos eram inimigas e se aniquilavam mutuamente, fazer o alerta imediato do perigo, através da identificação de um qualquer indivíduo da outra tribo, por mais inofensivo que tal indivíduo fosse, revelou ser um processo eficaz e evolutivamente bem-sucedido, para a sobrevivência dessa tribo. Ou seja, catalogar psicologicamente um estranho, em função de traços físicos comuns que partilha com outros, cujos comportamento conhecemos, além de ter poupado muito espaço cognitivo, revelou ser extremamente eficaz para a sobrevivência da tribo, e por conseguinte do Homo Sapiens, o homem moderno. Da mesma forma que não refletimos porque motivo uma vespa pode ser perigosa, simplesmente, por norma, assustamo-nos e reagimos de imediato. Todavia com o Iluminismo, os homens e mulheres passaram a ser todos iguais perante o Estado e a Lei, mas tais resquícios evolutivos que se desenvolveram em milhões de anos, não são simplesmente erradicados em trezentos anos. Coube às sociedades desenvolvidas, através dos pensadores, da arte, da cultura e essencialmente do próprio estado, através da promoção da religião e depois da laicidade por exemplo, restringir e frear tais ímpetos evolutivos que tendem a categorizar a priori os indivíduos. Assim, o Racionalismo é por conseguinte uma condição sine qua non que se exige a todos os estadistas e juízes.

Efetivamente, a Análise e a Filosofia, ao contrário da Psicologia, regem-se por processos lógicos, abstratos e não evolutivos. Matematicamente podemos então afirmar que um elemento a pertencente a G, não representa esse grupo G; e mesmo que vários elementos do grupo G tenham a característica X, sendo X maligna ou benigna, não podemos afirmar que G tem a característica X. Basta que haja um único elemento a do grupo G, que não possua a característica X, para não podermos afirmar que G e X são equivalentes, ou seja, que X é uma característica de G. Podemos referir que há elementos de G, que possuem X, não podemos todavia daí inferir, que para todo e qualquer elemento a pertencente a G, X é existente. Estes processos lógicos são lecionados em qualquer matéria matemática que aborde a Teoria dos Conjuntos. A prova de que a Teoria dos Conjuntos é contranatura é dada por um sofisma famoso, difícil de desconstruir de forma instantânea e reflexiva: "os Gregos são homens, Sócrates é homem, logo Sócrates é Grego".

Referir então que os muçulmanos são terroristas é uma proposição errada. Referir todavia que há muçulmanos terroristas é uma proposição correta. O mesmo processo afirmativo pode ser generalizado a quem refere que os negros são ladrões, os ciganos charlatões, os portugueses preguiçosos, os alemães fleumáticos, e por aí em diante. Tal não invalida, como explanado, que não digamos que há muçulmanos terroristas, ciganos charlatões e por aí fora, podendo nós até fazer alguma análise estatística para tentarmos compreender, quais as incidências de algumas características em determinados grupos. O que um estadista, pensador, juiz ou mesmo cidadão de bem, não pode alguma vez publicamente referir, é que a priori tal indivíduo tem uma determinada característica, apenas por pertencer a um determinado grupo. Os homens julgam-se pelos seus atos!

Compensa ir a Espanha atestar o depósito do combustível?


De cada vez que o governo da República, porque as finanças precisam de receita, decide aumentar a fiscalidade sobre os combustíveis, correm jornalistas até à fronteira com Espanha, para, por um lado entrevistarem os portugueses que, habitando do lado português, atestam diariamente as suas viaturas nos postos espanhóis, e para por outro lado, confirmarem nos respetivos postos fronteiriços o verdadeiro diferencial de preços em causa. Por outro lado, não falta economista ou fiscalista, analista ou comentador ocasional, que se pronuncie contra o governo por mais este proclamado confisco “a quem trabalha”, estando por provar, que a correspondência entre automobilista e trabalhador seja biunívoca. Todavia, a pergunta pertinente que se coloca, visto que a maioria da população é matematicamente iletrada, é até que ponto compensa ir a Espanha atestar o depósito do combustível.

Imaginemos o caso retratado pela reportagem da SIC ou da TVI, de um diferencial de 0,25€ entre o lado Português e o lado Espanhol. Imaginemos o caso mais simples de alguém que conduz o seu veículo locomovido a gasolina já obtida num posto espanhol, e que vai até Espanha de Portugal atestar o seu depósito, chegando a Espanha quando o depósito está próximo do vazio. De acordo com fontes do sítio maisgasolina à data de março, a gasolina sem chumbo 95 teria um preço médio em Portugal, de cerca de 1,4€ por litro. Considerando a título de exemplo o diferencial de 0,25€ por litro, e um tanque médio de 50 litros, significa que a poupança rondará cerca de 12€ num depósito, valor que se enquadra naquele que os automobilistas testemunham ser a poupança que conseguem por ir atestar até Espanha.

Mas continuemos nessa ciência esotérica, em que em Portugal dá pelo nome de Matemática. A viagem até Espanha para abastecer só será financeiramente eficaz, quando a referida poupança compensar a viagem que o automobilista efetua até à fronteira, presuma-se já com combustível espanhol, mais a respetiva viagem de regresso. Consideremos então que a gasolina sem chumbo 95 custa em Espanha cerca de 1,15€ por litro, ou seja, 0,25€ mais barata que do lado Português. Caso consideremos ainda um carro que consome 7 litros de gasolina aos 100 km, significa que esse automóvel terá um consumo de 0,08€ por km. Considerando a poupança de 12,5€ em comparação com o lado português, essa poupança permitirá então ao automobilista efetuar cerca de 150 km adicionais, ou seja 75 km para cada lado. Isto quer dizer, que se habitar a 75 km da fronteira com Espanha, a viagem que fará até Espanha para abastecer, usurpará qualquer eventual poupança que consiga com o diferencial de preços. A mais de 75 km da fronteira, já não compensa a viagem.

Como no território nacional a distribuição populacional é extremamente heterogénea, ou seja, a grande concentração de pessoas, empresas e núcleos habitacionais encontra-se no litoral, e considerando que Portugal terá uma largura média de mais de 200 km – Badajoz dista de Lisboa por exemplo cerca de 230 km pela A6; já Tui dista do Porto ao longo do eixo Norte-Sul cerca de 120 km – significa que o alarido económico e alarmista, de imaginar excursões de automobilistas a ir até Espanha atestar o depósito, não tem qualquer validade científica. Em acréscimo, considere-se o tempo perdido, pois uma viagem de 75 km até à fronteira, com regresso, demorará em princípio, nunca menos de uma hora.

Conclui-se que matematicamente, o limiar a partir do qual compensa ir a Espanha atestar, considerando depósito de 50 litros e consumo de 7 litros aos 100 km de gasolina sem chumbo 95, descurando ainda o fator tempo, é cerca de 75 km entre o local em Portugal e a fronteira com Espanha. E mais importante ainda, repare que a poupança é de 12,5€ se habitar junto à fronteira, poupança essa que vai diminuindo linearmente à medida que o seu ponto de partida em Portugal fica mais afastado da fronteira. Uma regra de três simples e conclui-se por exemplo que a poupança a 30 km da fronteira já só é de 5€.

A fórmula geral é a seguinte:



Os tambores agitados (Egmont), de Johann von Goethe, em Português


Egmont é uma peça literária de Johann Wolfgang von Goethe, que aborda a luta pela Liberdade. Retrata a vida de um nobre holandês, o conde de Egmont, fazendo referência ao antigo município de Egmond, no noroeste da Holanda, conde esse que durante o século XVI terá lutado contra o domínio espanhol nos Países Baixos e cuja decapitação despoletou uma série de revoltas pela independência da Holanda enquanto estado soberano.

Ludwig van Beethoven, ele próprio com ascendência holandesa e um admirador da obra de Goethe, faz uso desta peça literária para compor música incidental. Um dos movimentos mais emblemáticos das peças musicais que Beethoven compôs para esta obra literária, é aquele que é acompanhado pela voz de uma soprano, Die Trommel gerühret, ou seja, "Os Tambores agitados", movimento musical que retrata a forma como a mulher do conde manifesta o seu desejo em acompanhar o seu amado, no desígnio pela defesa da Liberdade.

Uma interpretação que merece ser escutada é da soprano Deirde Angenent, cujo vídeo se apresenta. Apresento-vos ainda a primeira tradução para a língua Portuguesa, desse troço da obra de Goethe, que tenta manter a rima e a métrica, que Ludwig van Beethoven usa para a sua música incidental.

Die Trommel gerühret,
Das Pfeifchen gespielt!
Mein Liebster gewaffnet
Dem Haufen befiehlt,
Die Lanze hoch führet,
Die Leute regieret.
Wie klopft mir das Herz!
Wie wallt mir das Blut!
O hätt' ich ein Wämslein
Und Hosen und Hut!

Ich folgt' ihm zum Tor 'naus
mit mutigem Schritt,
Ging' durch die Provinzen,
ging' überall mit.
Die Feinde schon weichen,
Wir schiessen da drein;
Welch' Glück sondergleichen,
Ein Mannsbild zu sein!
Os tambores agitados,
a flauta tocada!
Meu amor armado
a turba comandada,
a lança segue alto,
o povo governado.
Como me palpita o coração!
Como me ferve o sangue!
Oh tivesse eu um gibão
e calças e um chapéu!

Segui-lo-ia portão afora
com passo apressado,
iria p'las províncias,
por todo o lado.
Os inimigos já recuam,
esmagamo-los por inteiro;
que felicidade sem igual
ser-se um homem verdadeiro.