A Uber e a certificação de motoristas de táxi


Hoje, dia 30 de abril, houve uma enorme manifestação de taxistas nas cidades de Lisboa e Porto, contra a aplicação informática Uber. Já explanei num artigo anterior, evocando onze motivos, porque razão considero que sistemas como os da Uber não devem ser ostracizados pelo Estado, pois beneficiam largamente o interesse público, mais especificamente ao nível da qualidade do espaço público, qualidade ambiental, no aumento da coleta fiscal, e na melhoria da qualidade do serviço de transporte público individual.

Todavia um dos motivos principais que os taxistas evocam em seu favor é a concorrência desleal, mais especificamente o facto de estarem obrigados a possuir uma Certificação de Motoristas de Táxi (CMT) emitida pelo IMTT, que alegadamente, lhes confere qualidade acrescida no serviço prestado. Após uma análise com minúcia no referido sítio do IMTT, tem-se acesso à Lei n.º 6/2013 de 22 de janeiro, Lei essa que aprova os regimes jurídicos de acesso e exercício da profissão de motorista de táxi e de certificação das respetivas entidades formadoras. Todavia, os programas constantes nos módulos pedagógicos do referido curso cuja conclusão permite a obtenção da referida certificação, surgem apenas na Portaria n.º 251-A/2015 de 18 de agosto.

A formação oficial dos taxistas, tal como plasmado na referida Portaria e que supostamente garante uma qualidade acrescida do serviço em relação aos demais prestadores, integra as áreas temáticas e os módulos seguintes (os meus comentários não estão grafados a itálico):

1.1 — Inglês elementar (25 h) Objetivo: Pretende-se que o formando seja capaz de estabelecer com os passageiros um diálogo em inglês, de modo a conseguir cumprimentar, entender o destino e as vias a percorrer, informar corretamente sobre as condições de transporte relativamente às tarifas e bagagens e dar informações gerais sobre outros meios de transporte locais.

Com 25 horas de formação em Inglês, o taxista deverá ser capaz de estabelecer um diálogo em Inglês com o turista, e desta forma, ter mais qualificações que um condutor da Uber, sendo uma grande parte dos quais jovem e com formação superior.

1.2 — Comunicação e relações interpessoais (25 h) Objetivo: Pretende-se que o formando seja capaz de identificar e adotar atitudes e comportamentos que reflitam minimamente valores de cooperação, respeito, tolerância e urbanidade, numa ótica de desenvolvimento pessoal, relacional e social, potenciando, desta forma, a adoção de atitudes e comportamentos motivados e assertivos na relação com os passageiros, colegas e restantes condutores.

Tal como se exige a um empregado de balcão, e não é por isso que é preciso ter um certificado para se trabalhar num café ou num restaurante.

1.3 — Regulamentação e técnicas de condução (25 h) 

1.3.1 — Módulo I — Normas legais de condução (7 h) Objetivo: O formando deve ser capaz de conduzir com segurança um veículo ligeiro de passageiros, com respeito pelas regras de circulação rodoviária, adotando as técnicas de condução adequadas, de forma a aperfeiçoar a operacionalização dos conhecimentos de que é detentor. 

Tal como se exige a qualquer titular de carta de condução, e não é por isso que é preciso ter certificação adicional para conduzir um carro de empresa.

1.3.2 — Módulo II — Técnicas de condução (10 h) Objetivo: Pretende-se que o formando seja capaz de fazer uma gestão racional do veículo, em termos de consumos de energia, efeitos poluentes e aspetos relativos à segurança. Pretende-se, ainda, que o formando conduza corretamente um veículo táxi, fazendo uma leitura de indicadores de trânsito que o leve a abdicar do direito de condutor em benefício da segurança (condução defensiva) e adaptando a sua condução ao estado do piso, ao estado do veículo, aos fatores atmosféricos e às condições de trânsito (condução racional). 

Tal como se exige a qualquer titular de carta de condução, e não é por isso que é preciso ter certificação adicional para conduzir um carro de empresa.

1.3.3 — Módulo III — Regulamentação da atividade (4 h) Objetivo: O formando deve ser capaz de conhecer os seus direitos e deveres decorrentes da legislação aplicável ao acesso e exercício da profissão, e bem assim os aspetos mais relevantes da atividade de transporte em táxi.

Tal como se exige a qualquer profissional, e não é por isso que é preciso ter certificação adicional  sobre os seus direitos laborais, para exercer a sua profissão.

1.3.4 — Módulo IV — Legislação do trabalho (4 h) Objetivo: O formando deve ser capaz de identificar os seus direitos e obrigações laborais, relevantes no âmbito do exercício da profissão de motorista de táxi, na perspetiva de trabalhador dependente ou como empresário que gere a sua própria empresa. 

Mais uma generalidade.

1.4 — Exercício da atividade (25 h) 
1.4.1 — Módulo I — Aspetos práticos do transporte (8 h) Objetivo: O formando deve ser capaz de preencher a declaração amigável de acidente automóvel, recibos e folhas de serviço diário. Também deve ser capaz de diligenciar no sentido de garantir o conforto, comodidade e segurança dos passageiros, de modo a garantir um serviço de qualidade. Deve ainda ser capaz de operar com os sistemas de informação e comunicação, incluindo os de informação georreferenciada, de modo a otimizar a sua utilização. 

Leu bem, o formando deve saber preencher a declaração amigável de acidente automóvel, aquilo que qualquer encartado por certo já preencheu, sem que precisasse de formação para o efeito; mas também deve ter formação em como lidar com um aparelho GPS.

1.4.2 — Módulo II — Segurança do motorista (5 h) Objetivo: O formando deve ser capaz de se defender de agressões físicas, adotando técnicas e comportamentos elementares de dissuasão e de defesa pessoal, e de solicitar auxílio através de comunicação via rádio e de outros sistemas de segurança. 

Mais uma generalidade.

1.4.3 — Módulo III — Segurança e saúde no transporte em táxi (6 h) Objetivo: O formando deve ser capaz de identificar os aspetos relevantes para a proteção da sua segurança e saúde e da dos passageiros e ficar habilitado a prevenir os riscos associados à sua atividade, garantindo uma boa apresentação pessoal e o asseio interior e exterior do veículo. 

Mais uma generalidade comum a qualquer pessoa que faça atendimento ao público.

1.4.4 — Módulo IV — Situações de emergência e primeiros socorros (6 h) Objetivo: O formando deve estar apto a reconhecer situações de emergência e aplicar procedimentos e a adotar providências adequados. 

Muito importante, mas cursos de primeiros socorros estão acessíveis a qualquer indivíduo e devem ser obrigatórios para uma multitude de profissões que lidam com o público. Eu próprio tirei um curso de primeiros socorros de 50 horas no IEFP.

2 — A componente prática da formação tem a duração mínima de 25 horas. Objetivo: O formando deve ser capaz de adequar os conhecimentos teóricos adquiridos às exigências da profissão e especificidades do mercado de trabalho. 

2.1 — A componente prática da formação é desenvolvida nas seguintes modalidades, singular ou cumulativamente:

2.1.1 — Formação prática em contexto de formação — Este processo de aprendizagem deve desenvolver-se com recurso sistemático a diferentes técnicas (exposição, demonstração, role-playing, estudos de casos, resolução de problemas, etc.) e métodos pedagógicos, incidindo essencialmente nos métodos ativos;

2.1.2 — Formação prática simulada — Este processo de aprendizagem deve desenvolver-se com recurso a simuladores de condução automóvel, a veículos da entidade formadora dotados do equipamento exigido para os veículos táxi, ou a veículos táxi mediante acordo escrito com os respetivos proprietários, em que se simulam as condições próximas da realidade de trabalho em que estes profissionais irão operar.

Aquilo que qualquer escola de condução possui e deve lecionar aos seus instruendos.

Conclusão

A certificação de motorista de táxi, mais não possui do que uma série de generalidades e banalidades, cujas valências qualquer pessoa que faz atendimento ao público, ou qualquer titular da carta de condução, deve deter. E com tanta formação, pedagogia e módulos temáticos, os clientes continuam a preferir os sistemas como os da Uber, onde a garantia de qualidade é assegurada não pelos emitentes das referidas certificações, mas pelos clientes. 

Este caso, também revela a patologia do pensamento político lusitano, que é achar que tudo se resolve regulamentando e criando leis. A Uber, estando suposta e alegadamente "fora da lei", providencia um serviço substancialmente melhor e com qualidade acrescida, que um setor altamente regulamentado e onde existe legislação profusa. Tal contradição remete-nos então também para a filosofia política, e mais concretamente para as virtudes da Tecnocracia.