Como o automóvel transfigurou as nossas cidades


O caso de Roterdão

Imagem de Roterdão, antes da segunda grande guerra.
De acordo com a fonte citada, a cidade era ainda mais
agradável que Amesterdão, tendo mais canais e mais ruelas.
Fonte: likemag.com
Roterdão no pós-guerra.
Fonte: deleeuwvanweenen.nl
Muitas pessoas que nunca visitaram a Holanda, por certo consideram que, além do país ser essencialmente todo plano, as cidades obedecem todas ao mesmo desenho urbanístico e arquitetónico, obedecendo o edificado das cidades quase sempre ao mesmo padrão. Tal é verdade para cidades como Amesterdão, Delft, Maastricht ou Utrecht, com os seus idílicos e bucólicos canais que rasgam a cidade, as suas arcaicas e clássicas pontes pedonais, as suas igrejas do tempo do catolicismo posteriormente convertidas em templos Calvinistas após a Reforma, as milhares de bicicletas, os caminhantes e andantes nos seus afazeres diários, os gatos e demais animais domésticos que pela rua vagam, e os milhares de comerciantes locais, que colocam a sua montra na rua para desta forma atraírem a clientela que a pé passa. Nestas clássicas cidades holandesas, um pouco tal como naquela Lisboa que atrai paixões, sonhos, poetas e escritores; o edificado, os planos urbanísticos ou o traçado viário, obedece, quer às circunstâncias um pouco caóticas dos construtores locais, que iam edificando em função do espaço disponível e das necessidades ao longo da artéria viária, quer à mente de um urbanista que jamais imaginaria que a grande maioria do povo se deslocaria essencialmente através de uma máquina metálica de uma tonelada que ocupa para locomoção vários metros quadrados. Daí em cidades como Amesterdão, Delft, Maastricht ou Utrecht, encontrarmos ainda aquele espírito citadino humano de antigamente, que nos faz sentir em casa mesmo sendo estrangeiros. O espírito urbano e bairrista que jamais terá Roterdão, essa épica e clássica cidade onde nasceu Erasmo, que perdeu muito do seu brio no pós-guerra.

Parece-me claro, que Roterdão passou por duas fases urbanísticas trágicas ao longo da sua história. Durante a segunda grande guerra, foi violentamente bombardeada pelas tropas alemãs, tendo sido mesmo usado pela primeira vez na cidade, um recente e inovador método de bombardeamento em massa, que fazia, através da coordenação da força aérea, um varrimento de bombas ao longo de uma determinada superfície. Este método (carpet bombing em Inglês) permitia aumentar o nível de destruição no solo, sem recurso a bombas de alto calibre e peso, tornando assim o bombardeamento mais barato e eficaz em toneladas de TNT equivalente por quilómetro quadrado. O bombardeamento nazi foi tão mortífero e destruidor, que foi adicionado à vasta lista de crimes de guerra do regime nazi. Paradoxalmente Hiroxima não consta na referida lista, mas já se sabe, que os ganhadores tendem a escrever a história e fazer jurisprudência nos crimes de guerra. Mas neste caso, o crime de guerra terá sido alegadamente pelo facto de a cidade de Roterdão ter-se rendido antes dos bombardeamentos nazis. Mais tarde os oficiais da Luftwaffe alegaram que a comunicação de rendição da cidade, não chegou a tempo aos operadores do voo e aos pilotos dos bombardeiros. Certo é que a cidade de Roterdão foi severamente destruída por diversos bombardeamentos primeiramente nazis, mas também posteriormente pelos aliados. Tendo ficado a cidade sob o regime alemão do Terceiro Reich, e havendo em alguma camada da população holandesa alguma aceitação política perante os ocupantes, tendo a Alemanha também deslocado alguns equipamentos fabris para a cidade, e tendo a cidade já na altura um dos mais importantes portos da Europa, a cidade foi também um alvo para os bombardeamentos aliados. Como resultado, a cidade de Roterdão, como muitas outras cidades industriais do norte da Alemanha, ficou praticamente toda destruída e em ruínas. Findada a guerra, era possível então construir uma cidade de raiz, sem os constrangimentos das artérias viárias e do edificado um pouco caótico das cidades medievais. 

Como um modelo de negócio molda as cidades

A grande questão é que em 1945, o Ocidente, os respetivos urbanistas e a grande maioria dos políticos, já estavam embrenhados com os alegados benefícios do automóvel, como propulsor do crescimento económico, do emprego e da putativa mobilidade dos cidadãos. Henry Ford tinha começado a produzir o seu Ford-T algumas décadas antes, com bastante sucesso, e as cidades americanas de então, já estavam preparadas para acolher, aquilo que muitos consideravam ser o progresso e o futuro das cidades. Os peões; termo aliás pejorativo na própria língua Portuguesa, pois peão era o indivíduo que andava a pé na guerra, normalmente da classe mais baixa e com menos estatuto, não tendo o linguista, o legislador ou o político adotado expressões no meu entender bem mais adequadas, como andante ou caminhante; foram literalmente empurrados pela legislação viária para as laterais das artérias, para que o grosso da superfície viária pudesse ser entregue ao novo modelo de crescimento económico e de progresso, os automóveis. A cidade, do Latim civitas, que desde os Clássicos era encarada como o apogeu e o magno altar para o cidadão, do Latim, habitante da cidade, passou a ter claramente um propósito de natureza económica e industrial. A cidade, já não deveria servir apenas os cidadãos, deveria servir antes um modelo de negócio, deveria ser instrumentalizada e desenhada para acolher as máquinas que promoviam o crescimento económico e que alimentavam a indústria do petróleo, na altura e ainda hoje através do sistema petrodólar, controlada pela administração americana. 

As cidades na segunda metade do século XX deveriam tornar-se assim, economicamente dependentes da indústria automóvel e da indústria petrolífera, e por inerência macroeconómica, da economia americana. A colonização e a imposição de uma ordem colonial superior, já não seria a militar, mas a económica; mas ao contrário de instituições como as Nações Unidas ou a União Europeia, as quais sabemos quem são os líderes oficiais e onde existe um mínimo de transparência na metodologia adotada para a imposição de uma ordem supranacional; no modelo de dependência económica preconizado pelo sistema de transportes individual, cada indivíduo, ao procurar satisfazer os seus desejos consumistas, alimentados e catapultados pela vertente psicossexual da publicidade e do cinema, torna-se assim verdadeiramente um peão de um modelo económico que tem como único objetivo satisfazer essencialmente duas indústrias: a automóvel e a petrolífera. Repare-se que apesar da invenção do motor elétrico anteceder o motor de combustão, mais de 99,9% dos carros do mundo, volvidos cem anos desde a sua criação, continuam a funcionar a combustíveis líquidos derivados do petróleo.

Duas indústrias: automóvel e petróleo

A princípio a indústria automóvel era essencialmente de origem americana e alemã; mas a indústria petrolífera era essencialmente controlada por empresas americanas e inglesas, sendo a British Petrol, vulgarmente conhecida apenas como BP, um clarividente exemplo. Tornar o ocidente e os países em desenvolvimento dependentes de automóveis e do seu líquido locomotor tornou-se assim premente, e tal foi claro na Europa no pós-guerra mas também no Japão, rendido que estava ao exército americano. O automóvel já não era apenas um brinquedo para ricos, era um meio de transporte que impunha impor ao comum dos cidadãos. Mas como fazer essa imposição para que o comum dos cidadãos o adquirisse? Consideremos que em qualquer caso, além do preço a pagar para adquirir o bem, que tal como hoje não era na época tão financeiramente acessível, era já na altura também obviamente necessário adquirir o líquido locomotor. Como incentivar o comum dos cidadãos a deixar de andar a pé ou de bicicleta? Considere-se que andar a pé ou de bicicleta eram já na altura, formas de mobilidade bem mais baratas, considerando ademais o poder de compra reduzido de então. Aliás, estes eram meios de transporte muito comuns, para todos os estratos da sociedade da Europa, até aos anos 1950. 

Não bastava por conseguinte sugerir usar o automóvel, fazendo uso de publicidade massiva, ícones cinéfilos, música ou arte; não bastava dar crédito ou incentivos fiscais, não bastava mudar as empresas para longe do local de residência da classe operária; era necessário um incentivo maior, era necessário fazer sentir ao cidadão comum que, sem um automóvel, além de ser socialmente um pária, alguém que pertencia a um estrato da sociedade o qual não tinha nem estatuto nem posses; não se sentia seguro nem poderia ter como garantida a sua segurança no espaço público. Era preciso fazer sentir a cada cidadão, que não só o automóvel garantia segurança, como aqueles que não o usavam, estavam constantemente em perigo. Os caminhantes, que andavam simplesmente a pé, método de locomoção usado pelo Homem desde que o Homem é Homem, foram assim obrigados a caminhar por um reduto longitudinal completamente novo, denominado de passeio (em Inglês o termo é claro, side-walk, ou seja, caminhar pelo lado). Entre os passeios, trajetos laterais junto aos prédios, colocaram-se passadeiras, sendo estes os únicos locais por onde o caminhante está autorizado a atravessar para passar de um passeio para o outro, qual ponte entre dois penhascos. As cidades crescem, não de forma humana ou compacta, mas de forma completamente desorganizada para os subúrbios, sempre tendo o automóvel como alfa e ómega das políticas públicas de transportes. O planeamento, esse magno conceito da racionalidade humana que os abonatórios da indústria e do automóvel sempre evocavam para contrastar com o caótico da cidade medieval, tinha sempre em consideração o automóvel como meio de mobilidade; mas esse planeamento, ignorava quase sempre por completo o transporte coletivo, a pedonalidade, a mobilidade em bicicleta, ou qualquer meio de transporte que não fosse motorizado e sobre quatro rodas. Por isso, é totalmente falso que o planeamento urbano do pós-guerra nasce do racionalismo e da técnica do Homem para otimizar uma cidade, bem pelo contrário, esse planeamento é estritamente seletivo, e escolhe apenas auxiliar um modelo de negócio: o transporte individual motorizado.

O Estado no Ocidente, o procurador do imperialismo motorizado

Estando a cidade desenhada para ostracizar e tornar-se perigosa para todos aqueles que não se deslocassem de automóvel; modelo levado a cabo pelo estado a mando da indústria, e por isso sou também liberal, porque o estado tornou-se neste caso um autêntico procurador tirânico e despótico dos interesses industriais e das potências estrangeiras beligerantes ganhadoras no pós-guerra; estando a cidade redesenhada para este novo modelo económico e de negócio, os cidadãos naturalmente, à medida que o seu salário aumentava e que as viagens médias envolviam mais quilómetros, começaram a adquirir cada vez mais automóveis e a usá-los nas suas deslocações diárias. Mas repare-se como o planeamento, termo nobre da racionalidade humana, que a indústria e os abonatórios do automóvel usavam para contrastar com o alegado caos das cidades medievais, não era de facto de todo racional na senda do bem comum. 

Considerados os consumos médios por passageiro-quilómetro de todos os meios de transporte urbanos à disposição da técnica e engenho do Homem, o automóvel é o menos eficiente. Consideradas as fatalidades de todos os meios de transporte por passageiro-quilómetro, o automóvel é dos mais mortíferos, apenas ultrapassado pelos motociclos. Consideradas as externalidades, ou seja, custos económicos para terceiros, e para a sociedade em geral, custos esses que o automobilista não considera, o automóvel é o que tem mais custos por passageiro-quilómetro percorrido. Considerada a poluição atmosférica e sonora de todos os meios de transporte urbanos à disposição do homem para mobilidade urbana, o automóvel é dos que revela maiores índices por passageiro-quilómetro. Mas o planeamento, essa obra divina da racionalidade humana, decidiu paradoxalmente escolher o automóvel para ser o meio de transporte individual do povo para o século XX. Concluímos apenas que o referido planeamento, tal como o fez o regime nazi quando deu enorme apoio e primazia político-económica ao dito carro do povo (Volkswagen), de facto, apenas poderá ter sido um planeamento provindo de mentes maquiavélicas. 

Minimizar o trajeto médio dos cidadãos e respetivas externalidades

O que é de facto realmente importante quando, ao abordarmos a questão dos transportes em matéria de planeamento, queremos ser realmente humanos e racionais, é encontrar qual o meio de transporte que minimiza impactos negativos e maximiza benefícios, quer para o cidadão médio, quer para a sociedade. Ou seja, em média, queremos achar qual o meio de transporte que leva o comum dos cidadãos num trajeto médio entre A e B, sendo A e B variáveis, que seja o mais seguro, barato, limpo e saudável possível, e que traga o maior número de benefícios para o próprio e o menor número de prejuízos para a sociedade e para terceiros. Nesta análise há duas vertentes para a solução: o próprio meio de transporte e o planeamento urbano. No meio de transporte o automóvel é a pior escolha possível, sendo a bicicleta ou os transportes coletivos a melhor escolha, e no planeamento urbano, há que minimizar, dentro das restrições possíveis, a distância média entre A e B para todos os cidadãos, e tal é conseguido à medida que a cidade se torna mais compacta. Mas quando as cidades se tornam compactas o espaço começa a ser um ativo muito valioso, e por conseguinte é necessário e cada vez mais premente expulsar o automóvel.

Mas este modelo ótimo proposto, termo derivado do campo matemático da otimização, não contempla o automóvel como modus movendi para o comum dos cidadãos, e por isso, o putativo planeamento baseado no carro, não só desconsiderou cidades compactas e quaisquer outros meios de transporte, como respetivamente, desincentivou-as e ostracizou-os. Os jovens viram-se forçados a comprar casas nos subúrbios, mas os locais de trabalho continuaram nos centros urbanos, assim, a distância média entre A e B, para o comum dos cidadãos aumentou a cada ano, tendo a cidade expandido mas ficando também menos densa, ou seja, não se expandiu porque a população aumentou, pelo contrário, nos centros urbanos a população diminuiu, mas expandiu-se porque o espaço que cada habitante necessitava foi ficando cada vez maior. O fator espaço aqui a reter faz referência essencialmente à mobilidade urbana, visto que 2/3 de todo o espaço público das urbes modernas está alocado ao automóvel, quer para locomoção, quer para estacionamento.

E de Amesterdão a Roterdão

E compreendendo os fatores que moldaram a cidade, compreende-se então por que motivo a cidade de Roterdão é substancialmente diferente da cidade de Amesterdão. Roterdão foi redesenhada após a guerra, para poder comportar um modelo urbano progressista e futurista à data de então, modelo esse que atrás referimos que serviu apenas o automóvel, duas indústrias em particular e a nova potência económica que emergia da guerra, os estados unidos e a Inglaterra. Os canais que tinha Roterdão, as suas ruelas medievais e ruas pedonais, desapareceram por completo, para que dessem lugar a grandes avenidas dominadas por tráfego motorizado. Como consequência, a cidade expandiu-se e apesar das muitas ciclovias e de um bom sistema de transportes coletivos, tal como por exemplo em Berlim, o automóvel domina completamente o espaço público. Já em Amesterdão, apesar de ter naturalmente também carros, o que domina são as pessoas e as bicicletas. É o comércio local, a interação social, os bairros e as gentes, que dominam a cidade de Amesterdão. Também é verdade que muita dessas alterações já se deram nos anos 1970, mas houve motivação forte para isso, porque a cidade tem um problema crónico de falta de espaço. Uma avença de estacionamento na rua para residentes, custa mais de 500 euros por ano, que compara com os 12 euros de Lisboa, e há listas de espera de vários anos. As casas têm preços altíssimos, e são na maioria dos casos muito antigas, arrendar apenas um quarto custa facilmente 500 euros por mês, e todavia, a cidade está repleta de jovens, os edifícios estão renovados e habitados, e mesmo com casais e com famílias, contrastando com o preconceito de que expulsar os carros é expulsar as pessoas. Amesterdão teve a sorte de não ter sido bombardeada durante a guerra e por isso encontrou um pretexto perfeito para expulsar os carros da cidade; já Roterdão, tendo ficado em ruínas após a guerra, foi redesenhada tendo em consideração o modelo de cidade americana, onde o automóvel reina.

E Lisboa?

Lisboa igualmente, devido à periferia geográfica de Portugal e à perícia diplomática dos dirigentes do Estado Novo, não sofreu diretamente com a segunda grande guerra. Mas sofreu muitas das mutações urbanas que foram impostas às cidades com o novo modelo, putativa e alegadamente futurista, que foi imposto às cidades no pós-guerra. Exemplos claros são as “avenidas novas”, termo aliás que serviria exatamente para contrastar com a cidade velha e démodé. Mas a avenida “nova”, como a da República, a 5 de Outubro ou a Fontes Pereira de Melo, tal como anteriormente referimos, teve o único propósito de obedecer a um modelo de negócio, onde o automóvel é de facto rei e senhor que tiranicamente domina o espaço público. Na avenida da república houve em tempos elétricos, mas estes foram soterrados para o metropolitano, passando a linha do metropolitano soterrada exatamente ao longo da referida avenida, enquanto à superfície o automóvel domina o espaço público. E fora da cidade de Lisboa, tal paradigma é ainda mais claro, com as diversas vias com perfil de autoestrada que fazem a ligação entre os subúrbios e a cidade. As pequenas aldeias dos subúrbios, como Alverca ou Massamá, tornaram-se assim autênticos dormitórios, onde o único planeamento, como atrás referimos, é o de satisfazer um modelo económico. O procurador tirânico de tal modelo económico, porque apenas este era a entidade com poderes e legitimidade política para tal, foi o estado. Por isso um dos maiores paradoxos da política moderna, com referência aos transportes, é verificar que muitos opinadores e cidadãos de uma certa direita alegadamente liberal, são os mesmos que mais vincadamente defendem o modelo económico baseado no automóvel. Tal é um enorme paradoxo político-ideológico, exatamente porque sem o estado, o automobilista mediano, não tinha à sua disposição, a vastíssima rede de rodovias edificadas pelo estado central para o satisfazer. Em certos locais remotos de África, onde se pode afirmar que de certa forma não há qualquer interferência do estado na vida dos cidadãos, para que haja mobilidade motorizada, o indivíduo tem de ser detentor de um todo-o-terreno e com capacidade para atravessar riachos. O que permite ao burguês motorizado poder comprar apenas um veículo ligeiro sem grandes valências, é exatamente a intervenção do estado como entidade que alcatroou o país de ponta-a-ponta. E o paradigma que se aplica ao estado central, aplica-se aos municípios como Lisboa, com a sua vastíssima panóplia de viadutos, túneis, vias rápidas e parques de estacionamento edificados quer pelo estado central, quer pelo município.

Lisboa, uma cidade tomada pelas tropas afonsinas em 1143 contra a alegada tirania moura. Interessa então reconquistá-la novamente, desta vez contra outra tirania pós-moderna: as máquinas motorizadas. E o modelo de reconquista humana do espaço público deve por conseguinte ser generalizado a todas as cidades do mundo. Devolvamos as cidades aos cidadãos!


João Pimentel Ferreira
Engenheiro;
Ex-dirigente da MUBi - Associação pela Mobilidade Urbana em Bicicleta;
Residente na Holanda e utilizador diário da bicicleta como modus movendi.

5 comentários:

  1. Estive recentemente na Holanda, e é muito interessante o que é dito neste texto! De facto,a cidade de Amesterdão é uma cidade muito tradicional, pelo menos no seu centro, com os seus canais e edifícios antigos, onde existe uma enorme circulação de bicicletas. Muitas outras cidades holandesas, embora em menor escala, são igualmente tradicionais, tais como Alkmaar ou Dordrecht, para não falar das inúmeras aldeias constituídas por casas bastante típicas da Holanda.

    Mas Roterdão parece uma cidade que em nada se parece com o resto da Holanda: uma cidade com edifícios num estilo muito moderno (não é necessariamente um elogio), sem edifícios tradicionais, enfim, nota-se claramente que é uma cidade de negócios. Depois há os casos de Haia e Utrecht, que embora possuam uma zona da cidade mais tradicional, também possuem uma grande zona que é feita de prédios num estilo moderno. Amesterdão acaba por ser, de entre as grandes cidades, aquela mais tradicional. Mas Roterdão parece, de facto, uma cidade que apenas começou a ser construída nas últimas décadas.

    Por isso, o seu texto faz todo o sentido. É interessante perceber as razões que levam a estas diferenças entre as cidades holandesas.

    Cumprimentos e continuação de bons posts

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    1. Caro Luís, muito obrigado pela mensagem.
      A cidade de Roterdão foi desenhada no pós-guerra, numa altura do pico do automóvel como ícone de sucesso e de mobilidade. Daí ter sido adotado o modelo americano de cidade. Aliás, um pouco também como a maioria das grandes cidades da Alemanha, como Berlim. Todavia Berlim, mesmo antes da guerra, já tinha sido desenhada para contemplar muito tráfego motorizado. Pode ver aqui uma publicação sobre Berlim, e verá que o processo foi muito semelhante.

      Isto faz com que na maioria dos indicadores que analisam a qualidade de vida nos países, a maioria das capitais não está incluída, e a maioria das cidades com melhor qualidade de vida, está na Europa e muito poucas (ou nenhuma) nos EUA.

      A dicotomia Amesterdão-Roterdão é interessante pois permite exatamente fazer essa comparação extremamente interessante entre dois paradigmas de mobilidade urbana.

      Cumprimentos

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  2. Bom exemplo da consequência do paradigma de desolvimento económico, neste caso a relação entre layout da cidade e a rede de transportes. A grande questão é saber se os cidadãos vão reivindicar um modelo de desenvolvimento economico que lhes permita mudar o layout da cidade e da rede de transportes.

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  3. Acho que interessa ressalvar que a mobilidade e a qualidade do espaço publico em Roterdao é, ainda assim, muito diferente da de qualquer cidade típica portuguesa. Boa rede de transportes publicos, bons parques e zonas de lazer, bons passeios, ciclovias, etc. Só anda de carro quem quer, pois todas as condioes para nao o usar estao lá.

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    1. bem verdade, um pouco tal como Berlim, bom sistema de transportes públicos, algumas ciclovias e bons passeios. Mas o autor tem razão, não tenhamos dúvidas que as larguíssimas avenidas das cidades do pós-guerra, foram desenhadas essencialmente para servir a mobilidade em automóvel, deixando umas migalhas do espaço para o mexilhão. E as opções dos cidadãos tendem a adaptar-se ao meio envolvente.

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