As vertentes psicossexual e antropológica do automóvel

Um dos fatores extremamente interessante na cultura do automóvel, é a sua vertente psicossexual, ou se quisermos a sua vertente freudiana. Se analisarmos com minúcia, existe uma relação extremamente interessante entre a cultura automóvel e do desporto automóvel, e a figura do sexo feminino. É comum vermos mulheres atraentes apresentarem carros em salões automóveis, estarem presentes em corridas de desporto automóvel, e é um fator recorrente em publicidade automóvel, mais especificamente numa gama mais desportiva.

Há dois grandes fatores no meu entender que moldam esta cultura que está tão vincada, por exemplo na publicidade. A primeira é a componente antropológica no âmbito da psicologia evolutiva, em que existe por parte do homem uma enorme reverência pelo cavalo. A segunda prende-se, com a vertente psicossexual, no âmbito da psicanálise, em que o carro funciona como a extensão do próprio falo do indivíduo.

O cavalo, associação milenar entre estatuto social e meio de transporte

No que concerne ao cavalo, desde há milhares de anos que o homem usa o cavalo para transporte, sendo que tradicionalmente o cavalo sempre foi apenas o meio de transporte dos mais abastados e mais ricos. Antes da própria civilização, o homo sapiens conviveu com cavalos selvagens, aos quais indubitavelmente associava força, poder, agilidade e velocidade. Quando o homem começou a domesticar os cavalos há cerca de 5000 anos, começou a usá-los para meio de transporte, sendo que por certo só os mais fortes e ousados conseguiriam alguma vez domesticar um cavalo. As cenas de domesticação primitiva de cavalos, deveriam em parte assemelhar-se em muito àquelas cenas que vemos nos filmes, em que o vaqueiro se coloca sobre o cavalo selvagem e tenta domá-lo. Só os homens bravos, ágeis e fortes o conseguiriam realizar com sucesso. Todavia, tornando-se o cavalo um animal nobre devido à sua velocidade, força e rebeldia, e com o aparecimento do comércio, os homens ricos e abastados começaram também eles a poder adquirir cavalos. Assim, esta cultura milenar de associar nobreza e cavalo permaneceu até aos dias de hoje. Só os cidadãos romanos ricos tinham cavalos. Na idade média, só os nobres tinham cavalo, o povo andava por norma de burro. Já a partir do séc. XVIII era comum a aristocracia andar a cavalo. Existe assim uma associação psicológica e cultural entre estatuto social e o uso do cavalo como meio de transporte.

Quando a era do automóvel surgiu no primeiro quartel do século XX, os cavalos passaram a ser gradualmente substituídos por carros. Todavia, a associação psicológica no imaginário coletivo entre estatuto social e meio de transporte, permaneceu vincada. Alguém que tem um carro oneroso, potente e grande, por norma, no imaginário coletivo, é alguém que tem mais dinheiro, mais estatuto social ou um melhor sucesso profissional.

A vertente psicossexual do automóvel

A outra grande vertente que me parece que está bem vincada no automóvel é a sua vertente psicossexual, que a indústria publicitária usa amiúde. No desenvolvimento psicossexual freudiano, na fase genital ou fase fálica, as diferenças anatómicas entre os sexos (presença ou ausência de pénis) motiva a inveja do pénis nas meninas e a ansiedade de castração nos meninos. Na competição que o alter-ego do menino faz com o pai, pela posse sexual da mãe, a quem o alter-ego do menino canaliza a libido (o complexo de Édipo surge neste contexto), faz com que surja no menino uma ansiedade de castração. Ou seja, considerando que o lado consciente do menino sabe muito bem, que o pai é bem mais forte e poderoso, sendo o possuidor natural da mãe, o menino começa a usar o pai como referência adaptando-se, evitando assim a ansiedade da castração. A ansiedade de castração, surge pelo medo que o menino tem, em que na batalha pela posse da mãe, o pai na sua vitória natural, castre o seu opositor. Quando o menino se adapta ao pai, a ansiedade tende a cessar naturalmente.

O que sucede é que, fases fálicas mal resolvidas, provocam no adulto uma fixação por falos, dado a ansiedade do alter-ego de que o pénis pode ser castrado. Normalmente ocorrem em meninos cuja convivência com o pai, pode ter sido conturbada, e onde havia uma próxima relação emocional com a mãe. Independentemente destas resoluções ou não resoluções das fases fálicas, existe no adulto sempre, homem ou mulher, independentemente da intensidade, uma salubre procura do seu alter-ego por falos. É aqui que entra a indústria publicitária do ramo automóvel, fornecendo essa satisfação fálica, ao alter-ego dos adultos. Um automóvel, cujo desenho e forma provêm naturalmente apenas de conceções aerodinâmicas, tem uma forma fálica, e cujo sentido da pulsão sexual é no sentido da direção do movimento do automóvel. O símbolo do automóvel e a sua representação inconsciente, enquadram-se então perfeitamente na procura salubre por falos que existe nos adultos. No homem, o automóvel funciona como a própria continuação do falo, sendo claramente um objeto, dada a sua estatura e dimensão, que alivia a ansiedade de castração que o homem sentiu na fase genital enquanto criança. Na mulher, em que durante menina sentiu a inveja por não ter pénis, o automóvel é assim a satisfação para o seu alter-ego. O imaginário coletivo associa então naturalmente um carro oneroso num homem, a estatuto social e sucesso profissional, e numa mulher, a soberania e independência.

A publicidade massiva ao automóvel

A publicidade massiva ao automóvel faz uso destas pulsões sexuais, para incentivar o consumidor, de forma inconsciente, à posse de um carro. Em grandes cartazes publicitários, quando dirigido a um homem, o carro aparece recorrentemente na diagonal, aparentando-se com um falo. Quando dirigido à mulher, o carro oferece um pequeno falo (para Freud, o clitóris é um pequeno pénis com que a menina aprende a conviver) oferecendo-lhe liberdade e soberania.

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