Da saúde pública nas economias de mercado

Pela lei da oferta e da procura,
à medida que o preço de um produto sobe (linha D1)
a quantidade disponível desse produto no mercado, desce.
A inclinação da reta tangente à curva D1,
mensura a elasticidade do produto
em torno de um certo ponto de preço.
Com o devido respeito pelos leitores, após ler muito sobre a temática, apercebo-me que vai muita confusão económica-ideológica na maior parte dos cidadãos, com referência à taxação de produtos que são nefastos à saúde pública ou ao ambiente. Por um lado, há quem defenda que o estado deve regular a quantidade de sal ou de açúcar por exemplo, que determinados produtos têm; há outros que referem que a via fiscal tem como único propósito arrecadar dinheiro para os cofres públicos. À luz dos princípios das economias de mercado livre e regulado, vigentes em todos os países desenvolvidos, ambas as opiniões estão erradas.

Economicamente, o pão é inelástico, as batatas fritas elásticas

Para compreender este paradigma é preciso compreender o que é a elasticidade do preço da procura, um conceito económico muito importante. A elasticidade do preço da procura, analisa basicamente, qual a variação da procura de um determinado bem ou serviço, em função de variações do seu preço. Há bens mais elásticos que outros. Se por exemplo o preço do queijo fresco aumentar, é natural que o seu consumo diminua, pois as pessoas ou deixam de comprar queijo fresco ou procuram alternativas, como o requeijão. Há todavia bens mais inelásticos, como a água. Aumentos substanciais do preço da água, não implicam obrigatoriamente que o seu consumo diminua na mesma ordem de grandeza, visto que podemos poupar água para lavar a louça, mas existem gastos de água quase inflexíveis, como água para beber ou para tomar banho. Assim, a elasticidade do preço da procura mede, de forma um pouco simplista, qual a relevância e a verdadeira necessidade sentida pelos consumidores, de um determinado produto ou serviço dentro de uma economia de mercado. Considerando a cultura portuguesa e os seus hábitos de consumo, pode-se afirmar que o pão é um produto inelástico, e as batatas fritas são produtos elásticos.

Não taxar, pode ficar mais caro ao erário público

Os libertários e anarcocapitalistas, avessos a qualquer tipo de fiscalidade, e muito menos a um estado com uma atitude paternalista, cometem um erro económico crasso, ao não compreenderem muitas vezes, que muitos dos enfermos vão no futuro causar custos ao erário púbico e à economia, que em última análise, acabam por ser imputados a todos nós. Tal por exemplo é paradigmático no caso do tabaco. Em França por exemplo, cerca de 15 mil milhões de euros são gastos por ano, apenas para tratar casos de saúde relacionados com tabagismo, valor bem mais alto que aquele arrecadado pela coleta fiscal sobre o tabaco. Taxar o nefasto, é, por conseguinte, cuidar dos contribuintes, e acima de tudo, cuidar dos contribuintes que não têm uma conduta nefasta, visto que já é eticamente algo injusto cobrar àqueles que têm uma vida saudável, os gastos de saúde daqueles, que por incúria, têm uma vida insalubre. Claro que os anarcocapitalistas resolvem este problema ético-ideológico, referindo que não tem de haver sequer qualquer espécie de saúde pública financiada pelo estado. Mas em todos os países desenvolvidos, o estado de certa forma, sendo os hospitais públicos ou privados, suporta um qualquer sistema nacional de saúde.

A curva de Laffer aplicada a um produto

Mas o que os anarcocapitalistas e libertários por norma ignoram por completo, é a curva de Laffer aplicada ao consumo de um produto. Na prática esta curva refere que nem sempre o aumento da fiscalidade representa o aumento da receita fiscal. Laffer usou tal princípio para a carga fiscal em geral sobre uma economia, mas esse princípio pode também ser aplicável a qualquer produto ou serviço. Imaginem por exemplo, que o imposto sobre o tabaco subia para 1000 euros por cada maço de tabaco. O número de pessoas que compraria tabaco pela via legal, seria tão reduzido, que o valor da receita fiscal desse mesmo imposto desceria abruptamente. Ou seja, aumentar a fiscalidade sobre um determinado produto, não implica o aumento da receita fiscal. E temos um excelente exemplo em Portugal com o caso dos sacos de plásticos. A taxa sobre os sacos de plástico tinha uma receita prevista de 40 milhões de euros para 2015, mas essa receita fiscal ficou-se apenas nos 1,5 milhões nesse mesmo ano. No ano seguinte, em 2016, a receita fiscal desse imposto foi apenas 200 mil euros, menos de 1% do valor inicialmente estimado pelo fisco. Demonstrou-se que os sacos de plásticos tinham um preço extremamente elástico, na medida que quando deixaram de ser de borla, ou seja, preço zero, e passaram a ter um custo, o seu consumo diminuiu. Aliás, à luz da lei da oferta e da procura, um produto que tenha preço zero, teria em princípio, procura infinita. Tal não acontece obviamente porque os recursos para o produto são limitados. Essa é também uma razão pela qual o estado jamais deve, em bens não essenciais, promover qualquer tipo de gratuitidade, porque o verdadeiro custo da produção não fica refletido no preço, promovendo a procura irracional.

Como preservar a saúde pública e a liberdade individual?

Assim, pode-se demonstrar, conjugando a elasticidade do preço da procura com a curva de Laffer, que ao se aumentar a taxação de um certo produto ou serviço, o consumo do mesmo diminui, e nem é certo, que a receita fiscal aumente se o tal produto não for inelástico. Ademais, a solução liberal é mesmo a taxação e não a regulação. Ao se taxar um produto, o consumidor continua a ter a opção de consumir um determinado produto nefasto, apenas pagando um pouco mais pelo mesmo. Mas do ponto de vista macroeconómico, o consumo desse produto diminui. Regular a quantidade de sal que o produto tem, isso sim, é violar a liberdade individual, porque estamos a proibir os consumidores de consumirem as batatas fritas embaladas com sal. Da mesma forma que o estado não deve por princípio regular a quantidade de álcool na cerveja, no vinho ou nas bebidas espirituosas, deve apenas taxar em conformidade, deixando ao privado a decisão de produzir pela forma e meios que entender, tendo em consideração o quadro fiscal presente. O governo de Portugal regulou o sal no pão, mas tal é uma medida que viola a liberdade do indivíduo de querer, numa determinada altura por algum motivo, comer pão com mais sal; e ao contrário do que se diz, não pode posteriormente adicionar sal porque o sal é adicionado aquando da cozedura do pão. Ao se taxar, passam a existir vários tipos de pães à disposição do consumidor, sendo que o salgado fica mais caro. As pessoas passam a optar assim, numa visão macro, pelo que é mais saudável. Por uma questão social, também se deve garantir que as pessoas com menos rendimentos não ficam penalizadas pela via dessa mesma fiscalidade, nos bens que são considerados essenciais como o pão. Ou seja, no caso assinalado a taxação deveria ser abolida para o caso do pão com a quantidade de sal que o estado, através dos seus organismos de saúde, considerasse adequado.

A taxação do nefasto conjugada opcionalmente com a isenção do benigno, representam assim, a única solução que verdadeira e cumulativamente defende a liberdade individual, o interesse público e o respeito pelos contribuintes.

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