Qual a diferença entre putativos e verdadeiros impostos verdes


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Emmanuel Macron, ao tentar justificar um determinado imposto adicional sobre os combustíveis, inserido no contexto do Acordo de Paris, e que tantos protestos e manifestações gerou, refere que "este imposto é uma forma de prevenir o fim do mundo", justificando que a medida deveria desencorajar o recurso aos combustíveis fósseis e promover assim energias limpas. Refere também o presidente da França que "a ideia era pagar os danos das alterações climáticas com estes impostos". É necessário enaltecer que a "previsão" de Macron do "fim do mundo" faz parte do rol de comentários catastróficos e apocalípticos sem qualquer fundamento científico, e que em nada ajudam ao esclarecimento relacionado com as alterações climáticas. O mundo, muito provavelmente e de acordo com a Ciência, apenas "acabará", considerando que o "mundo" se refere apenas ao planeta Terra, dentro de cerca de 4 mil milhões de anos, quando o Sol se expandir e se tornar numa gigante vermelha. Por essa altura, quando findar o hidrogénio que alimenta a fusão nuclear solar, muito provavelmente, o Sol engolirá a Terra e o nosso planeta-berço desaparecerá. Mas muito provavelmente por essa altura, a Humanidade já se terá deslocado para outro planeta ou sistema estelar. Todavia, atentai, que não falamos nem de 4 mil anos, nem de 4 milhões de anos, mas sim 4 mil milhões de anos. Temos tempo!

Concordo, porém, com algumas das proposição do presidente francês, pois, independentemente dos anseios do instante e da falta de meios financeiros para pagar as contas até ao final do mês ao comum dos cidadãos, os problemas económicos e sociais, para esses mesmos cidadãos comuns, serão incomensuravelmente maiores, caso não combatamos as alterações climáticas no médio termo. Basta pensarmos na subida do nível médio do mar e quais os valores patrimoniais de todos os imóveis em zonas costeiras, e fazer alguma aritmética. O que alguns "economistas cépticos" das alterações climáticas ainda não se aperceberam é que, além de outros problemas, as alterações climáticas serão extremamente caras para a economia, e para as finanças "das empresas e das famílias", para usar termos do léxico dos peritos na especialidade.

O que porém Emmanuel Macron e demais elites europeias não nos referem, é que apenas uma ínfima parte dos denominados impostos verdes, são de facto, dirigidos para a proteção do ambiente. E como o hermetismo das contas públicas é um facto assinalável, e um imposto é, por definição jurídico-fiscal uma contribuição pecuniária não consignada, isto é, o estado usa o referido dinheiro como lhe aprouver; as pessoas ficam com a impressão imediata que os denominados impostos verdes mais não são que expedientes orçamentais para aumentar a receita fiscal. Desta forma, o Tesouro pode satisfazer as diversas despesas públicas, desde salários a prestações sociais, sendo que todavia com este ardil fiscal, a legitimidade moral e ambiental do putativo imposto torna-se, portanto, nula. Vejamos o exemplo do imposto alegadamente ambiental sobre os produtos energéticos, que rende em França cerca de 38 mil milhões de euros por ano, dos quais apenas 7,2 mil milhões, serão alocados, e apenas no próximo ano, para a denominada transição energética.

Assim, faço a seguinte sugestão para a classe política, como veemente ambientalista que sou, para que doravante os denominados impostos verdes sejam sempre consignados, isto é, deverá haver uma rubrica específica nos orçamentos de estado, onde os cidadãos possam ver quanto de facto foi arrecadado com impostos verdes, sendo que esse valor deverá ser canalizado diretamente e na totalidade para a proteção do ambiente ou para os transportes públicos, e não para o bolo geral da despesa pública, como salários ou pensões, pois está por demonstrar que funcionários públicos ou pensionistas tenham um modo de vida mais ecológico que os demais cidadãos pagadores de impostos; ou inseridos num clima de neutralidade fiscal, isto é, todas, repito, todas as receitas dos referidos impostos verdes deverão ser canalizadas diretamente para baixar o imposto sobre os rendimentos (IRS) ou o imposto sobre o património para habitação própria e permanente (IMI).

Nada disto acontece, nem em Portugal, nem em França. Tal ardil fiscal tem consequências nefastas para a classe política e, também, para o ambiente. Por um lado ludibria o contribuinte-eleitor com um putativo imposto verde, que tem uma função unicamente punitiva, e não corretiva, e que serve unicamente para alimentar, parafraseando Cavaco Silva, o "monstro" (em França o estado consome 48,5% do PIB); e por outro lado incute na opinião pública uma enorme desconfiança perante qualquer imposto verdadeiramente verde, o que faz com que a maioria da população, embora tenha uma consciência natural e humana perante a Natureza e o planeta Terra, encare com total desrespeito e desprezo qualquer fiscalidade com um propósito alegadamente ambientalista.

Refiro mesmo que a classe política deve ser totalmente transparente e deverá lidar "com pinças", todos os impostos com um cariz "moralista" ou "comportamental", como impostos sobre o açúcar, gordura, álcool, sobre os combustíveis ou sobre o carbono. Como referi, nada tenho contra estes impostos, pois pela elasticidade preço da procura, o aumento do preço é uma forma, que a economia clássica nos refere, como excelente método para baixar a procura, considerando que os bens em causa, por defeito, não são inelásticos. E de facto alguns não são, como por exemplo a fiscalidade sobre os sacos de plástico, aquando da introdução de impostos verdes inseridos pelo então ministro do ambiente Moreira Rato. Como os sacos de plástico são bens economicamente elásticos, o aumento do preço dos referidos sacos baixou drasticamente a sua procura e utilização, fazendo mesmo com que o referido imposto praticamente tivesse uma receita residual no presente ano. E o dinheiro arrecadado pela fiscalidade sobre os sacos de plástico foi diretamente para abater no IRS, fazendo desse imposto um verdadeiro imposto verde.

Todavia, quando estamos perante bens economicamente inelásticos, como por exemplo, os combustíveis para a população rural, visto que a grande maioria da população rural precisará quase sempre do automóvel, qua na grande maioria dos casos se locomove a combustíveis fósseis, qualquer putativo imposto verde, não terá por objetivo a sua aniquilação fiscal, ou seja, a redução nominal da respetiva receita fiscal com a diminuição do consumo do bem, mas pura e simplemente, a obtenção crua e dura de receita fiscal para as mais diversas despesas públicas. Estamos perante, assim, um putativo imposto verde, pois não tem um carácter corretivo mais unicamente punitivo e moralista, não tendo um carácter que vise o abaixamento da respetiva receita fiscal, mas apenas como objetivo único o aumento das receitas do Tesouro. Faço aqui também um apelo a todos os liberais para que saibam destrinçar estas duas situações fiscais e ideológicas marcadamente distintas, pois devemos, por conseguinte, fazer uma destrinça clara entre putativos impostos verdes, e verdadeiros impostos verdes.

Conclusão

  • Putativos impostos verdes
    • bens ou serviços inelásticos - o aumento ou a introdução do imposto não diminui a procura do bem ou serviço, ou porque os sujeitos passivos não têm alternativas, ou porque é um bem ou serviço essencial;
    • têm carácter punitivo - os sujeitos passivos não alteram o seu comportamento para um estilo de vida mais ecológico, tornando-se o imposto apenas mais um encargo fiscal;
    • a receia não diminui com o tempo - ao longo dos diversos exercícios fiscais, este imposto, do ponto de vista nominal, não diminui, ou aumenta;
    • não são consignados - o estado não usa a totalidade desse dinheiro para melhorar o ambiente;
    • ausência de neutralidade fiscal - o valor arrecadado não serve para baixar outros impostos sobre questões essenciais, como trabalho (IRS), habitação (IMI) ou IVA na eletricidade.
  • Verdadeiros impostos verdes:
    • bens ou serviços elásticos - o aumento do imposto ou a sua introdução, diminui a procura do bem ou serviço, porque não são bens ou serviços essenciais, ou porque os utentes têm alternativas à sua disposição ambientalmente mais sustentáveis;
    • têm carácter corretivo - os sujeitos passivos alteram o seu comportamento para um estilo de vida mais ecológico;
    • a receita diminui com o tempo - ao longo de vários exercícios fiscais, a receita arrecadada diminui substancialmente, devido ao carácter corretivo;
    • são consignados - o estado usa a respetiva receita fiscal na sua totalidade para a melhoria do ambiente;
    • neutralidade fiscal - o valor arrecadado serve para baixar outros impostos sobre questões essenciais, como trabalho, habitação ou eletricidade.

Porque se protesta também em França?


Os franceses são um povo marcadamente contestatário, e, felizmente por isso, deram à luz a Revolução Francesa em 1789. Contudo e interessantemente, as manifestação são amiúde contraditórias, pois se os professores saem à rua para pedir aumentos salariais, esses aumentos provêm apenas da carga fiscal que é aplicada a empresas e à população, sendo que é a referida população que agora protesta contra a elevada carga fiscal que existe em França. E de facto existe! Historicamente a Dinamarca, ou os restantes países nórdicos, sempre foram tidos como os países com a maior carga fiscal na Europa, mas o cenário mudou recentemente, tendo a França atingido o primeiro lugar na tabela que relaciona o montante total arrecadado em impostos em percentagem do PIB.

Carga fiscal; ou seja, total de receitas fiscais em percentagem do PIB. Fonte: Eurostat.

Ou seja, o paradoxo é que em França à segunda-feira protesta-se contra os impostos; mas à terça-feira protestam os pensionistas contra a redução da idade de reforma; à quarta-feira os funcionários públicos reclamando a progressão das carreiras e demais eufemismos, que na prática se reduzem a mais dinheiro; à quinta-feira os professores; e à sexta-feira saem os estudantes universitários à rua lutando contra a introdução de propinas. Esta manifestação denominada dos "coletes amarelos" tem pois a característica singular de ser uma manifestação que faz pressão político-orçamental pelo lado da receita fiscal e não pelo lado despesa pública, como é habitual. E tal é inédito! E por ser uma manifestação que está relacionada com a receita fiscal, quando consegue criar massa crítica, junta mesmo de facto muita gente. É que em Portugal, por exemplo, os professores apesar de terem muita voz, são apenas 140 mil cidadãos. Mas contribuintes existem cerca de 8 milhões (de salientar que os impostos não se reduzem a IRS). 

Aos contribuintes acontece o mesmo fenómeno que sucede para os peões na via pública. Como somos todos, acabamos por não ser ninguém, e por isso mesmo o peão é o último a ser tido em conta nas diversas decisões sobre urbanismo ou tráfego motorizado. O mesmo se passa para os contribuintes, porque nas sociedades modernas, apenas os grupos de interesse, desde a banca, aos grandes grupos económicos, passando pelos professores e demais funcionários públicos, conseguem influenciar o poder político e o executivo. De salientar todavia que Portugal se encontra numa posição moderada em termos de carga fiscal, no âmbito europeu. Em qualquer caso os rendimentos em Portugal são mais baixos que na média dos restantes países europeus, e por isso, os critérios de progressividade fiscal aplicáveis aos cidadãos, são também generalizáveis aos países. Um dado ainda interessante da tabela acima, é que o país com o segundo maior PIB per capita da Europa, a Irlanda, é exatamente aquele que apresenta menor carga fiscal. Mesmo a Noruega, um país extremamente rico e com um estado social muito presente, não tem uma carga fiscal muito superior à portuguesa. Muito menos a tem a Suiça.

PIB per capita na Europa. Fonte: Eurostat.