Sousa Tavares, um boçal pequeno-burguês filho da Poetisa


Sousa Tavares, em mais uma genial verborreia retórica, e porque propala as suas ideias no jornal da noite, cujo público alvo obedece ao que pensa a vox populi, debitou, qual penedo falante, mais uma série de preconceitos contra o turismo e contra a mobilidade ativa, não tendo os transportes públicos sequer fugido à voraz saga visceral do "comentador". Começa, na referida peça por – e bem – dizer que Lisboa tem um problema de excesso de automóveis, para, poucos segundos mais à frente, referir que Medina "declarou uma guerra total ao automóvel" (sic). Oh Tavares, como é que se combate o automóvel sem prejudicar os automobilistas? Também ficamos a saber com a referida "peça", que Tavares considera inaceitável, que havendo em Alcântara, a "sua zona", quatro cervejarias, que uma das referidas cervejarias tenha fechado. Um verdadeiro escândalo, que na sua sanha, só pode ser culpa ou dos turistas ou dos ciclistas, o fecho de uma das quatro cervejarias onde Tavares deglutia o líquido herético para os seguidores do Islão; pois os lisboetas, apenas se deslocam às cervejarias, alegadamente, de automóvel. O clássico anátema civilizacional do "se conduzir não beba", é sobejamente olvidado pelo filho da magna Poetisa de ascendência dinamarquesa.

Tavares também se indignou, de forma exacerbada, com as restantes preocupações de pequeno-burguês motorizado, ao considerar que "Lisboa é só para turistas", como se as zonas nobres da cidades estivessem vedadas aos lisboetas, e que os autóctones na capital do Império não passassem de párias e excomungados sem o sacro direito ao usufruto da cidade que viu partir as caravelas. Por fim, Tavares fica extremamente indignado com a inaceitável e intolerável fila para a compra dos pasteis de nata em Belém, um verdadeiro escândalo lesa-pátria, visto que a referida pastelaria está inundada de turistas, dando a entender Tavares, que os naturais do burgo, qual apartheid pós-moderno, estão interditos por bula papal de degustar tal doçaria conventual. O que Tavares não referiu, num processo de memória seletiva que Freud tão bem explicaria, é que a grande maioria dos turistas, tal como nos seus países civilizados de origem, usa os transportes coletivos para deslocações urbanas, e para confirmar tal proposição, basta andar em Lisboa de autocarro durante a época estival. O luso, cavernícola e com salários a tanger os de Casablanca, enche as rodovias urbanas com os seus enlatados onerosos, poluidores, espaçosos e ruidosos importados da Alemanha, já o Alemão, entre o Cais do Sodré e o Parque das Nações, usa o 728. É a egrégia simbiose entre o catolicismo mediterrânico de pacotilha e o socialismo motorizado egocomodista da pequeno-burguesia nova-rica pós-Abril, tão bem plasmado na retórica preconceituosa de Tavares. O Alemão, o Dinamarquês ou o Francês, assim com os lisboetas cosmopolitas que bem conhecem o conceito de cidade, andam a pé, de transportes públicos e de bicicleta. Já Tavares, um homem que afirma com pompa em público que gosta de uma boa caçada e de uma boa tourada, daquelas mesmo à espanhola – não me refiro ao sexo intermamário, mas à lide – daquelas em que o animal sangra na arena até morrer, para gáudio dos animais que a observam, considera Tavares, qual pequeno-burguês egocomodista que só se desloca sobre quatro-rodas, que a cidade lhe "está vedada"; como se para chegar ao Cais do Sodré, épico local lisbonês onde marinheiros e marialvas afagavam epidermes curvilíneas, tivesse de cruzar fronteiras altamente vigiadas entre as freguesias da cidade, e invadir por conseguinte a soberania territorial de Santa Maria Maior.

Oh Tavares, e que tal andares, tal como os teus antepassados no meio rural andavam nem há muitas décadas, e como o Homem se locomove desde que é Homem, ou seja, a pé? E que tal apanhares um táxi, ou um uber, tal como fazia o também burguês Vasco Polido Valente, quando às sextas-feiras viajava entre o Gambrinos no centro da cidade e os estúdios de Queluz da TVI, para deleite retórico-luxuriante de Moura Guedes? Com tanta sapiência que propalas em horário nobre, que é tão nobre na TV quão José Castelo Branco é nobre para a monarquia britânica, por certo que não seria assim tão oneroso apanhares um táxi para ires até à tua cervejaria favorita em Alcântara, na "tua zona". Achar que uma cidade se devolve aos cidadãos, aos naturais, com mais acessos rodoviários e mais carros, é como acreditar que a frequência de masturbação dos rapazes se mensura pela topografia das palmas das suas mãos. E a av. Duque d'Ávila, Tavares, não te diz nada? Uma artéria que restringiu fortemente o tráfego automóvel, e que por conseguinte, o seu comércio fervilha e foi deveras incrementado, tendo mais pessoas de terceira idade e "ociosos" a desfrutar do espaço público. E a Rua Augusta, não te diz nada Tavares, pecado mortal na retórica tavariana, pois além de estar repleta de turistas, não permite tráfego motorizado? Quantos comerciantes gostariam de ter a sua loja na Rua Augusta, Tavares? Já na rua Morais Soares, que mais parece uma rua de Mogadíscio nos anos 60 do precedente século, um nojo viário repleto de lataria no passeio e com rodovias a invejar a quinta avenida noviorquina, tal a largura concedida a esse tirano pós-moderno ao qual nos devemos sacrificar, denominado de "tráfego"; já na Morais Soares, fecham lojas todas as semanas. Até aprecio, confesso, ouvir Tavares a falar de política internacional, mas quando a "peça" vocifera para se pronunciar sobre caça, touradas, futebol ou bicicletas, cria-se uma ligação neuronal direta entre os seus intestinos e os lobos frontais, e tudo o que difunde doravante por aquele canal oral de putativo escritor, é apenas ódio e preconceito. Que fazer? O populismo está na moda!

Como o automóvel transfigurou as nossas cidades


O caso de Roterdão

Imagem de Roterdão, antes da segunda grande guerra.
De acordo com a fonte citada, a cidade era ainda mais
agradável que Amesterdão, tendo mais canais e mais ruelas.
Fonte: likemag.com
Roterdão no pós-guerra.
Fonte: deleeuwvanweenen.nl
Muitas pessoas que nunca visitaram a Holanda, por certo consideram que, além do país ser essencialmente todo plano, as cidades obedecem todas ao mesmo desenho urbanístico e arquitetónico, obedecendo o edificado das cidades quase sempre ao mesmo padrão. Tal é verdade para cidades como Amesterdão, Delft, Maastricht ou Utrecht, com os seus idílicos e bucólicos canais que rasgam a cidade, as suas arcaicas e clássicas pontes pedonais, as suas igrejas do tempo do catolicismo posteriormente convertidas em templos Calvinistas após a Reforma, as milhares de bicicletas, os caminhantes e andantes nos seus afazeres diários, os gatos e demais animais domésticos que pela rua vagam, e os milhares de comerciantes locais, que colocam a sua montra na rua para desta forma atraírem a clientela que a pé passa. Nestas clássicas cidades holandesas, um pouco tal como naquela Lisboa que atrai paixões, sonhos, poetas e escritores; o edificado, os planos urbanísticos ou o traçado viário, obedece, quer às circunstâncias um pouco caóticas dos construtores locais, que iam edificando em função do espaço disponível e das necessidades ao longo da artéria viária, quer à mente de um urbanista que jamais imaginaria que a grande maioria do povo se deslocaria essencialmente através de uma máquina metálica de uma tonelada que ocupa para locomoção vários metros quadrados. Daí em cidades como Amesterdão, Delft, Maastricht ou Utrecht, encontrarmos ainda aquele espírito citadino humano de antigamente, que nos faz sentir em casa mesmo sendo estrangeiros. O espírito urbano e bairrista que jamais terá Roterdão, essa épica e clássica cidade onde nasceu Erasmo, que perdeu muito do seu brio no pós-guerra.

Parece-me claro, que Roterdão passou por duas fases urbanísticas trágicas ao longo da sua história. Durante a segunda grande guerra, foi violentamente bombardeada pelas tropas alemãs, tendo sido mesmo usado pela primeira vez na cidade, um recente e inovador método de bombardeamento em massa, que fazia, através da coordenação da força aérea, um varrimento de bombas ao longo de uma determinada superfície. Este método (carpet bombing em Inglês) permitia aumentar o nível de destruição no solo, sem recurso a bombas de alto calibre e peso, tornando assim o bombardeamento mais barato e eficaz em toneladas de TNT equivalente por quilómetro quadrado. O bombardeamento nazi foi tão mortífero e destruidor, que foi adicionado à vasta lista de crimes de guerra do regime nazi. Paradoxalmente Hiroxima não consta na referida lista, mas já se sabe, que os ganhadores tendem a escrever a história e fazer jurisprudência nos crimes de guerra. Mas neste caso, o crime de guerra terá sido alegadamente pelo facto de a cidade de Roterdão ter-se rendido antes dos bombardeamentos nazis. Mais tarde os oficiais da Luftwaffe alegaram que a comunicação de rendição da cidade, não chegou a tempo aos operadores do voo e aos pilotos dos bombardeiros. Certo é que a cidade de Roterdão foi severamente destruída por diversos bombardeamentos primeiramente nazis, mas também posteriormente pelos aliados. Tendo ficado a cidade sob o regime alemão do Terceiro Reich, e havendo em alguma camada da população holandesa alguma aceitação política perante os ocupantes, tendo a Alemanha também deslocado alguns equipamentos fabris para a cidade, e tendo a cidade já na altura um dos mais importantes portos da Europa, a cidade foi também um alvo para os bombardeamentos aliados. Como resultado, a cidade de Roterdão, como muitas outras cidades industriais do norte da Alemanha, ficou praticamente toda destruída e em ruínas. Findada a guerra, era possível então construir uma cidade de raiz, sem os constrangimentos das artérias viárias e do edificado um pouco caótico das cidades medievais. 

Como um modelo de negócio molda as cidades

A grande questão é que em 1945, o Ocidente, os respetivos urbanistas e a grande maioria dos políticos, já estavam embrenhados com os alegados benefícios do automóvel, como propulsor do crescimento económico, do emprego e da putativa mobilidade dos cidadãos. Henry Ford tinha começado a produzir o seu Ford-T algumas décadas antes, com bastante sucesso, e as cidades americanas de então, já estavam preparadas para acolher, aquilo que muitos consideravam ser o progresso e o futuro das cidades. Os peões; termo aliás pejorativo na própria língua Portuguesa, pois peão era o indivíduo que andava a pé na guerra, normalmente da classe mais baixa e com menos estatuto, não tendo o linguista, o legislador ou o político adotado expressões no meu entender bem mais adequadas, como andante ou caminhante; foram literalmente empurrados pela legislação viária para as laterais das artérias, para que o grosso da superfície viária pudesse ser entregue ao novo modelo de crescimento económico e de progresso, os automóveis. A cidade, do Latim civitas, que desde os Clássicos era encarada como o apogeu e o magno altar para o cidadão, do Latim, habitante da cidade, passou a ter claramente um propósito de natureza económica e industrial. A cidade, já não deveria servir apenas os cidadãos, deveria servir antes um modelo de negócio, deveria ser instrumentalizada e desenhada para acolher as máquinas que promoviam o crescimento económico e que alimentavam a indústria do petróleo, na altura e ainda hoje através do sistema petrodólar, controlada pela administração americana. 

One fifth of net wage in the UK goes to automobile


One of the reasons to use the bicycle or the public transit in the daily life is cost, i.e., to save money. According to the OECD the median net income in the UK is around £18,700 a year and according to autocosts.info, which takes into account all the inputs from the users, disregarding statistical outliers, the average total costs for the British motorist is roughly £4,000 per year. Therefore the average British driver spends about 1/5 of their net income, only to own and operate their automobile. With the bicycle or the public transit when available, you can save really a lot of money, specially regarding those items related to running costs.

This data is taken from autocosts.info/UK.