Portugal e a União Europeia: 30 anos para desmistificar a eurofobia


Muito se tem falado se é positivo ou não para Portugal estar dentro da União Europeia (UE), principalmente nesta altura tão conturbada para este, quase secular, projeto europeu interestadual. Após a saída do Reino Unido, várias forças políticas de diversos países têm considerado efetuar referendos para deliberar se o eleitorado quer ou não a presença do respetivo país na União Europeia. Em Portugal, o primeiro partido a adiantar tal hipótese foi o Bloco de Esquerda. Considero que me parece óbvio, que falta à UE um sentido de pátria, tal como acontece noutros estados federados como os EUA, porque friamente falando, a cooperação de todos os estados-membros da UE tem sido deveras positiva para quase todos os seus membros, senão mesmo para todos, aplicando-se a velha máxima de que "o todo é maior do que a soma das partes"!

Por um lado a Alemanha e outros países economicamente mais pujantes, como o próprio Reino Unido, encontraram no mercado interno o passaporte perfeito sem taxas ou burocracias alfandegárias, para os seus produtos num mercado livre com 500 milhões de consumidores; e por outro lado, os países economicamente menos desenvolvidos como Portugal ou Grécia, têm recebido milhares de milhões em fundos estruturais exatamente para eliminar essas desigualdades estruturais, tornando por conseguinte a economia mais competitiva sem recurso à desvalorização cambial, que na prática significaria desvalorização salarial e perda de poder de compra para os cidadãos.

O euroceticismo tem tido todavia alguns adeptos em Portugal, como à esquerda, Pacheco Pereira ou Francisco Louçã, que encaram na UE a representação de um super-estado "neoliberal" controlado pelos interesses financeiros internacionais. O euroceticismo alargou-se também aos movimentos políticos da direita, que evocam amiúde a perda de soberania, como o poeta Pedro Mexia; mas também o descontrolo dos fluxos migratórios através das fronteiras. Todavia, permiti-me a ousadia, julgo que muitos dos processos populares que abordam os temas europeus estão a tomar contornos de fobia. A palavra fobia vem do Grego (phóbos, φόβος) e é monossémica na língua grega, significando tão-somente medo. O termo tem sido usado frequentemente nas outras línguas para definir mecanismos patológicos do foro psíquico como claustrofobia, mas também para definir qualquer processo irracional de aversão, quase sempre de forma inconsciente, provocado pelo sistema límbico, como xenofobia ou homofobia. 

Muitas das fobias baseiam-se no desconhecido. É o caso do medo do escuro, ou nictofobia, pois durante o Paleolítico os hominídeos arcaicos e os seus antepassados, vivendo em pequenas comunidades, quando pernoitavam na floresta, deveriam estar constantemente atentos contra quaisquer perigos que poderiam provir da escuridão. Considere-se que evolutivamente, a fobia é um mecanismo de defesa, para que o animal esteja pronto a atuar de forma imediata e célere, logo, instintiva. Acender uma luz, que ilumina o anteriormente desconhecido, normalmente é suficiente para sanar esta fobia. E o mais interessante é que esta fobia afeta essencialmente as crianças e muito pouco os adultos, e a razão é tão-somente porque os adultos têm uma estrutura cognitiva e racional bem mais desenvolvida que as crianças. Um adulto sabe, através da razão, que aquilo que não consegue ver, não é necessariamente perigoso, pois a razão dita-lhe que muito provavelmente naquele lugar desconhecido, estará algo expectável. Assim, um adulto efetua normalmente um juízo mental, algo que as crianças não desenvolveram plenamente.

Muitas das críticas que se fazem à UE, são exatamente pelo facto de a grande maioria das pessoas desconhecer na quase totalidade o funcionamento da UE, enquadrando-se no meu entender em uma fobia pelo desconhecido, desconhecido esse que tem poder sobre nós nos nossos quotidianos. A maioria dos cidadãos europeus desconhece as diferenças entre o Conselho Europeu, a Comissão Europeia e o Parlamento Europeu, desconhecem por completo os tratados e os seus direitos enquanto cidadãos europeus, e desconhecem como funcionam os mecanismos decisórios dentro da UE. O desconhecimento, perante uma situação económica menos boa, leva invariavelmente em muitos casos à fobia, neste caso a uma marcadamente irracional eurofobia.

Todavia a Ciência, neste caso a ciência política, que deve estar presente em todos os processos democráticos pedagógicos e esclarecidos, baseia-se em factos e não em medos. Assim, analisemos vários indicadores estatísticos de Portugal entre 1986, ano em que Portugal entrou na União Europeia, e a atualidade. Todos os gráficos serão apresentados, aproximadamente, no intervalo de 30 anos, ou seja, entre 1986, data de adesão de Portugal à então CEE, e 2016.

Salários (adaptados às variações de preços ao consumidor)

Salário médio mensal dos trabalhadores por conta de outrem: remuneração base e ganho - Portugal; desde 1986 até 2016. Valores adaptados para Índice de preços no consumidor.
Fontes de Dados: GEP/MSESS (até 2009) | GEE/ME (a partir de 2010) - Quadros de Pessoal; PORDATA

Automóvel é o principal emissor de Gases com Efeito de Estufa


De acordo com a Agência Portuguesa do Ambiente, em Portugal, os transportes (leia-se, essencialmente automóveis e camiões) são os principais emissores de Gases com Efeito de Estufa (GEE). Esta situação é idêntica na Europa e no mundo. Nos dados compilados com referência a 2014 pela referida agência, os transportes são responsáveis por cerca de 1/4 (24%) de todas as emissões de GEE, suplantando a produção e transformação de energia, mormente para a rede elétrica, que representa 23%.

Relatório do Estado do Ambiente, 2015, página 50.
Agência Portuguesa do Ambiente.




Embora tecnicamente se deva usar a expressão "transportes" e não apenas automóvel ou camião, pois os transportes envolvem vários modos para transporte de passageiros e mercadorias, entre os quais o transporte marítimo, ferroviário ou aéreo, os números ditam-nos que muitas vezes a expressão transportes, embora tecnicamente correta, mais não é que um eufemismo para transportes rodoviários, entre os quais automóveis e camiões, como se pode constatar no seguinte gráfico, providenciado pela Agência Internacional de Energia, parte integrante da OCDE.

Emissões de GEE por tipo de transporte, no mundo.
Fonte: Relatório (pág. 66) da Agência Internacional de Energia (OCDE), 2009.

Nas previsões da Agência Internacional de Energia para 2050, no que concerne à redução dos GEE, prevê-se que a parcela dos automóveis (a azul claro) seja drasticamente reduzida. Estes dados também nos permitem concluir que no cômputo geral, os automóveis emitem mais GEE que os camiões.

Já os números com referência à União Europeia presentes no seguinte gráfico, não são muito distintos dos de Portugal e do resto do mundo. Não só nos dizem que os transportes são responsáveis por cerca de 1/4 das emissões de GEE, como também confirmam que a grande parcela está no transporte rodoviário.

Emissão de GEE na União Europeia, por tipo de setor (à direita)
e na parcela dos transportes, por modo de transporte (à esquerda).
Fonte: Comissão Europeia.

Os camiões e os automóveis são assim claramente os responsáveis principais, no domínio dos transportes, pelas emissões de GEE em Portugal, na Europa e no mundo. Não só os automóveis e camiões são os principais emissores de GEE, como são de longe os transportes que mais consomem energia, e cuja parcela energética mais aumentou nas últimas décadas, como pode ser constatado pelo seguinte gráfico.

Consumo de energia por modo de transporte, no mundo.
Fonte: Relatório (pág. 45) da Agência Internacional da Energia (OCDE), 2009.

O automobilista é o verdadeiro culpado pela sinistralidade rodoviária


Peso, rigidez e velocidade dos veículos, são os fundamentais causadores do perigo rodoviário

Recorrentemente, ouvimos ou lemos alguém referir que os ciclistas e os pedestres são irresponsáveis e eventualmente os culpados em caso de sinistro, devido à sua atitude não cumpridora do que está estipulado no Código ou na Lei da Estrada. Em relação a este assunto exige-se evocar alguns pontos muito importantes.

As leis da Física sobrepõem-se às leis da estrada

As leis da Física, são por assim dizer "divinas", pois não estão ao alcance de serem alteradas pelo Homem. O Homem pode analisá-las, estudá-las ou mesmo instrumentalizá-las em seu favor, mas não pode alterá-las. Não são referendáveis, anacrónicas, legisláveis, nem mutáveis em função do espírito da época ou dos regimes em vigor. Tal como "quando o sol nasce é para todos", também todos se regem de forma igualitária, de facto e não apenas de jure, pelas leis da Física.

Um automobilista transporta 110 vezes mais energia que um ciclista

Por conseguinte, as leis da mecânica clássica, um subgrupo da Física também denominada de Física newtoniana, ditam por exemplo que um ciclista de 80 kg sobre uma bicicleta de 20 kg, ambos a 15 km/h, têm uma energia cinética 110 (cento e dez) vezes menor que um automóvel com condutor, perfazendo uma tonelada e a 50 km/h, ficando a expressão:


Recorde-se que para o efeito, a energia cinética depende linearmente da massa e do quadrado da velocidade. É a energia cinética, ou a energia do movimento, que causa perigosidade e por conseguinte sinistralidade. Há todos os dias milhões de colisões entre pedestres na via pública e não é por isso que essas colisões de dois pedestres causam algum dano. O mesmo para diversas colisões entre ciclistas, provocando um dano maior, pois há mais velocidade e mais massa, mas na grande maioria dos casos, longe de ser uma colisão grave. Ou seja, o que torna um sinistro grave, não é o tipo de sinistro enquanto tal, não existe mal nenhum per se em um veículo ter uma colisão ou um despiste, o que causa severidade num sinistro rodoviário, é a energia cinética ou inercial que cada um dos veículos transporta.

O propósito da existência das leis da estrada deve-se ao objetivo fundador de preservar a segurança rodoviária para todos os utentes da via pública. É esse o objetivo nuclear das regras e das leis do trânsito. Todavia, essas mesmas regras desconsideram por completo, os veículos e as ações que realmente causam danos graves e estragos onerosos. Culpabilizar, legalmente através das leis, por conseguinte um pedestre que atravessa a estrada fora do local próprio para o efeito, ou mesmo um ciclista por ultrapassar um sinal vermelho, não pode de todo ser comparável, em termos de gravidade e severidade, a um condutor de um automóvel que circula em excesso de velocidade ou que atravessa um sinal vermelho. Em acréscimo um pedestre ou um ciclista quando o faz, tem razões acrescidas para ser prudente pois coloca a sua vida em risco, ocorrendo normalmente a situação contrária quando um condutor de um veículo motorizado comete uma infração rodoviária que coloca em causa a integridade física de utilizadores vulneráveis da via pública.

O Homem, desde o Paleolítico que está ciente da noção de espaço e de perigo causado pelo movimento. O Homem, desde o Paleolítico, que tem uma noção instintiva das leis da Física e dos perigos que as mesmas acarretam no seu quotidiano. Por conseguinte, o pedestre ou o peão comum, considerando que no Paleolítico eram todos pedestres, quando circula na via pública, usa esse mesmo instinto para simultaneamente preservar a sua integridade física e poder adotar nos espaços urbanos uma vida normal e razoavelmente sensata, de acordo com os princípios de eficiência da mobilidade pedonal, que trazemos como legado desses tempos remotos. É muito difícil explicar ao nosso instinto que remonta desde pelo menos o Paleolítico, que uma rua plana e aparentemente segura, não pode ser cruzada a não ser num conjunto de faixas assinaladas para o efeito algures em locais muito específicos. É-nos contra-natura pensar que uma distância de cinco metros por um pavimento sem perigos, imaginando que não se avistam carros no espaço de várias centenas de metros de distância, não pode ser cruzada devido a uma determinada regra estabelecida por um certo burocrata legislador, que assim o estabeleceu. Na prática, o comum dos utilizadores infringe diariamente estas regras contra-natura, porque a natura, ou a Natureza, obedece às leis da Física, e as as leis da Física estão acima das leis da estrada.

Conclui-se por conseguinte, que se nos abstrairmos de todos os pressupostos legais sobre a temática da culpabilização de acordo com as leis vigentes da estrada e do trânsito, são os automóveis que geram perigo, pois têm mais massa (peso) e mais velocidade, ditando as mais elementares regras de Justiça, que é culpado quem gera perigo e não o contrário.

As leis da Física sobrepõem-se às leis morais e sociais

A energia cinética é igual à metade da massa vezes a velocidade ao quadrado. Como anteriormente explanado, é a energia cinética, pela lei da conservação do momento linear, que provoca "danos", na medida que a energia inercial que vai armazenada no objeto em movimento, é transmitida para o outro objeto (veículo, pedestre, parede, etc.) no caso de colisão, despiste ou atropelamento. Tal como no bilhar quando uma bola em movimento colide com outra bola em repouso, a energia cinética é transmitida da bola em movimento para a bola em repouso, causando movimento na bola que estava em repouso. Neste caso do bilhar, a bola que estava em repouso absorve a energia cinética da bola em movimento e converte-a também em energia cinética para si própria causando movimento. Mas é fácil pensarmos que se a bola que está em repouso no meio da mesa, for de uma material mais frágil que a bola em movimento, vidro ou cristal por exemplo; essa energia cinética em movimento causará não-só um movimento na bola que estava em repouso mas também dano ou fratura da mesma. Significa, no caso em que a rigidez dos materiais é muito distinta (automóvel vs. pedestre; automóvel vs. tronco de árvore, etc.), a energia cinética não é totalmente convertida em movimento no objeto recetor, provocando também fratura e deformação dos objetos que colidem, sendo que cede sempre mais, o menos rígido.

Logo, conclui-se que grosso modo a gravidade de um sinistro aumenta linearmente com a massa (peso) e quadraticamente com a velocidade. Isto quer dizer apenas, simplificando, que o mesmo condutor com um carro de uma tonelada é duas vezes mais "perigoso" que o mesmo condutor com um carro de meia-tonelada. Isto quer também dizer que exatamente o mesmo carro com o mesmo condutor a 50 km/h é quatro vezes mais "perigoso" que exatamente o mesmo condutor com o mesmo carro, mas a 25 km/h (quatro e não duas, devido ao fator quadrático pois dois ao quadrado é quatro). Isto é uma aproximação, pois há mais fatores a ter em consideração como a qualidade dos pneus, o estado do pavimento ou mesmo a tecnologia inerente do veículo, mas algo é certo, por muita tecnologia e sistemas de segurança que um veículo possa ter e por muito experiente que um condutor possa ser, nada os faz fugir às mais elementares leis da Física, e grosso modo, segundo as mesmas, a perigosidade vem apenas da massa, da rigidez e da velocidade.

Assim, é totalmente anti-ético, considerando que a Ética busca os seus fundamentos na Ciência, aceitar que o senso comum considere que um determinado pedestre é culpado pelo seu atropelamento apenas porque não cumpriu com as leis do trânsito. Essa situação é ainda mais anti-ética quando se trata de uma criança, considerando que uma criança é por norma inimputável. Por muito que a indústria automóvel e os seus arautos, como os diversos clubes automobilísticos ou os meios de comunicação social da especialidade, queiram fazer passar a mensagem para a vox populis de que os utilizadores vulneráveis são muitas vezes os culpados pela sinistralidade, porque ou são imprudentes, arriscados, não temerosos ou porque cometem frequentemente ilegalidades na via pública de foro rodoviário, as leis da Física, “divinas” e que por conseguinte se sobrepõem às leis dos homens, indicam-nos claramente, através dos mais elementares princípios de Justiça, que os “culpados” são sempre aqueles que têm mais massa e mais velocidade, e por conseguinte, são quase sempre os detentores de veículos motorizados.

Corolário

As análises e teorias científicas têm pouco valor quando não são atestadas por factos. A teoria proposta é assim colocada no seguinte corolário na forma de silogismo:

1. O que causa perigo rodoviário é a energia cinética e rigidez das massas que circulam na via pública; 
2. um automóvel ou um veículo motorizado têm uma energia cinética e rigidez, centenas de vezes superiores a qualquer utilizador vulnerável;
3. Logo, o perigo rodoviário reside quase exclusivamente no automóvel e restantes veículos motorizados.

Factos e dados empíricos

Assim interessa analisar os grandes números das estatísticas da sinistralidade rodoviária, para tentarmos confirmar tal teoria e tal corolário.

O número de acidentes com vítimas mortais, envolvendo velocípedes,
face aos valores totais, é praticamente residual.
Em todos os acidentes com vítimas envolvendo velocípedes,
a vítima é sempre o condutor do velocípede.
Probabilidade de morte de pedestre em caso de atropelamento
vs. velocidade do veículo que atropela. Dados estatísticos.
Denota-se claramente o efeito quadrático da energia cinética
em função da velocidade entre os 10km/h e os 70km/h.