Falácia da Falsa Equivalência


Têm o mesmo formato, são ambos frutas;
mas são diferentes.
Terry Eagleton, considerado como "um dos intelectuais e académicos de maior projecção da actualidade", em declarações ao jornal Público, diz-nos que “O Hamas fez uma obscenidade moral. Mas nada que Israel não tivesse feito aos palestinianos vezes sem conta”. A isto denomina-se
falácia da falsa equivalência, repetida até ao vómito nos últimos dias. No Código Penal de qualquer país civilizado há várias gradações e penalidades para homicídio, e contudo as vidas têm todas o mesmo valor. Homicídio por negligência, de primeiro ou de segundo grau têm respetivamente molduras penais bem distintas. Entrar pela casa de civis de metralhadora em punho e disparar sobre crianças, velhos, bebés, degolando bebés e queimando vivas crianças, raptando inocentes mantendo-os cativos em condições desumanas; é diferente, do ponto de vista ético-moral, de matar crianças como dano colateral, porque estas são usadas como escudos humanos, quando se tenta aniquilar alvos militares pertencentes a um grupo terrorista. Quem acha que são igualmente graves, considerando apenas o número de mortes como métrica moral, deveria consultar com urgência um psiquiatra.

Lidar com a memória


Evoluímos - sim, somos o resultado da evolução por seleção natural - para guardar de forma mais vincada as memórias más em relação às boas, pois tal permitiu-nos afastarmo-nos dos perigos. Recalcamo-las do nosso consciente para ficarem no subconsciente adormecidas, prontas para serem espoletadas caso nos deparemos com circunstâncias similares à que originaram a má experiência. Tal como uma ferida que não queremos sarar, podemos até ignorar mas não a podemos tocar, sob pena de sentirmos dor. A tal experiência chamamos de trauma e pode ter naturalmente vários graus de intensidade, mas se vier à memória do caro leitor, de forma recorrente, algo que sucedeu há mais de um ano, certamente terá sido traumático. Há naturalmente vários níveis de trauma e um abandono de uma namorada não é equiparável à perda de um filho ou à experiência de uma guerra sangrenta, mas não deixa de ser um trauma. Evoluímos para guardar as más memórias, mas felizmente que vivemos numa civilização marcadamente segura, quando a comparamos com o Paleolítico onde a morte espreitava em cada esquina, importa por isso, tal como em tantos outros domínios, combater os instintos e forçar a mente a recordar os bons momentos. Não há sentimento mais tóxico que o ressentimento derivado do trauma, para nós e para os que nos rodeiam. É por isso premente não ter medo de recordar, para poder sarar.

O mito da falta de condições para andar de bicicleta


A Ciência baseia-se em evidências, várias evidências no mesmo sentido permitem a formação de hipóteses, e quando a hipótese é sólida, forma-se uma Teoria. Embora a palavra teoria tenha sido desconsiderada e usada erradamente (por exemplo em "teoria" da conspiração), na realidade, as teorias são as formas de conhecimento mais avançadas do método científico.

Habitei 30 anos em Portugal e 10 na Holanda (sim, mais precisamente na Holanda do Sul, uma província dos Países Baixos). Venho assim por este meio referir a V. Exas. meus prezados e caros compatriotas que a ladainha do "eu só uso o carro porque não tenho alternativa", em boa parte dos casos, é, como diz sabiamente o povo, desculpa de mau pagador!

Primeira evidência

Trabalho numa instituição europeia com escritório na Holanda, logo, várias culturas e várias nacionalidades exatamente com as mesmas condições de infraestrutura viária e de transportes públicos, e exatamente com as mesmas condições de rendimentos e de salários. O ambiente perfeito para uma experiência social. Resultado: trabalhadores do sul, como por exemplo portugueses, espanhóis, italianos ou gregos, vão quase todos de carro; franceses e alemães meio-termo, e da Alemanha geograficamente para cima vai quase tudo de bicicleta. A percentagem de pessoas que vai de bicicleta correlaciona positivamente com a latitude do seu local de origem. Repito, temos todos as mesmas condições de acesso a transportes públicos e bicicleta, e temos todos o mesmo rendimento para as mesmas funções. Mais um dado interessante, os gregos e italianos ainda são piores que os portugueses na ostentação, pois quase todos os gregos vêm de SUV e a maioria dos italianos nem sequer ousa usar bicicleta (estamos na Holanda, no melhor país do mudo para pedalar).

Segunda evidência

Num belo, pacato e soalheiro dia de Verão dirigi-me a Roterdão para passear com amigos. Roterdão é a cidade de Erasmo e embora o escritor do "Elogio à Loucura" só lá tenha vivido até aos 6 ou 7 anos de idade, continua a ser chamado Erasmo de Roterdão. Sentámo-nos num banco em frente a uma rodovia que possuía uma via para automóveis e outra via para bicicletas. Expliquei-lhes, tal como Sócrates explicava a Fedro na obra de Platão, que a Ciência baseia-se em evidências e que eu tinha uma hipótese (vide acima primeira evidência), e que lhes iria provar que a hipótese era válida com recurso a uma segunda evidência completamente independente da primeira, por forma a que a hipótese fosse mais sólida. Não basta, em Ciência, apresentar muitas evidências para tornar uma hipótese mais sólida, se estas não forem independentes entre si.

O teste era simples: verificar a cor do cabelo dos condutores de automóvel e dos ciclistas e contá-los e chegar a percentagens. Recordo os caros compatriotas que Roterdão é das cidades da Holanda com mais multiculturalismo, há de tudo. As conclusões do "estudo" foram avassaladoras: mais de 90% das pessoas que seguiam sobre um selim eram loiras, e mais de 90% das pessoas que seguiam ao volante de um veículo motorizado tinham cabelo preto (ou burca). Viviam provavelmente todas na mesma cidade, com exatamente a mesma oferta de infraestrutura e de transportes.

Conclusão deste "micro-paper"

Podem V. Exas. meus prezados e caros compatriotas ludibriar-vos a vós próprios e aos políticos com a ladainha do "eu só uso o carro porque não tenho alternativa", mas a mim não me enganam! Isto não quer dizer, obviamente, que não haja gente que de facto não tem alternativa. Digo apenas que o factor cultural também tem enorme peso na decisão.

Enumero:

a) status, o motivo pelo qual tanta gente compra SUV, das compras mais irracionais que pode existir para um veículo citadino;

b) colocar o conforto pessoal à frente do sacrifício pessoal, esquecendo que, por vezes, o sacrifício no curto prazo pode levar a bem-estar no longo prazo.

Os aspetos positivos de uma inflação moderada (menos de 10%)


A inflação tem um lado positivo em países como Portugal, pois alivia o encargo dos endividados e da dívida pública ao depreciar as dívidas, permitindo ainda que o estado equilibre contas públicas, cortando na despesa pública, sem a berraria das ruas que cortes nominais invariavelmente acarretam. Foi no período de maior inflação, particularmente 1970-1990, que tivemos maior crescimento económico real (já descontada a inflação). Foi no período de mais baixa inflação, particularmente 2000-2020, que tivemos o pior crescimento económico real do último século.

A inflação é necessária nos países onde o Estado tem tendência para o endividamento e com tendência para ser perdulário. O Euro não permitia fazer o que se fazia com o Escudo, exatamente devido à inflação que o Banco de Portugal provocava ao imprimir moeda em função das necessidades do estado e da economia.

Um dos grandes problemas da adesão à moeda única foi exatamente a baixa inflação, a par com as baixas taxas de juro que estimularam o endividamento. A baixa inflação fez com as dívidas fossem cada vez mais difíceis de suportar, devido aos juros, que mesmo sendo baixos, largamente superavam a inflação. As dívidas não depreciavam facilmente e por outro lado, era praticamente impossível aos governos fazer cortes de despesa pública, pois tais cortes teriam que ser nominais, o que acarretaria sempre protestos nas ruas, já para não mencionar os bloqueios constitucionais. Reparemos como o Tribunal Constitucional, cujos juízes não são propriamente doutos em economia, considera que cortes reais de salário só são inconstitucionais se forem nominais, se forem disfarçados com inflação, já não há qualquer inconstitucionalidade.

A inflação também permite aumentar a competitividade da economia em relação ao exterior, embora neste caso não seja tão aplicável porque o fenómeno é global. Em suma, à luz da economia política e dos constrangimentos políticos que o país sempre atravessou para efectuar reformas estruturais, a inflação moderada também tem aspectos positivos que convém enaltecer. António Costa sabe-o, e como político experiente e astuto que é, usá-la-á para fazer o devido equilíbrio das contas públicas sem o protesto nas ruas que cortes nominais envolveriam.

A palavra piscina é sintomática do sotaque de Lisboa


Certo dia ao falar com um amigo brasileiro apercebi-me que ele pronunciava corretamente a palavra piscina, ou seja, pronunciava pis-ci-na. Achava eu, no meu orgulho luso-camoniano, que os brasileiros eram mais uns que haviam afastado a fonética da ortografia, como no caso da palavra brasil, em que pronunciam "brasiu". Apercebi-me, como alfacinha de gema, que eu na realidade dizia "pechina", e que encarava com desdém e desconsideração regional quem pronunciasse corretamente a palavra pis-ci-na.

Esta palavra é sintomática do regionalismo lisboeta porque numa única palavra encontramos dois regionalismos da capital, a substituição do i pelo e quando este é seguido por consoante na primeira sílaba da palavra ("previlégio" em vez de privilégio, "menistro" em vez de ministro, etc.); e a substituição da união silábica is-c ou es-c por ch ("crecher" em vez de crescer, "prechindir" em vez de prescindir, etc.).

Lisboa tem indubitavelmente um sotaque, pois denotei ainda que o meu amigo brasileiro na realidade dizia coelho e não "coalho", assim como joelho e não "joalho". Um indivíduo não tem sotaque quando aproxima o mais possível a fonética da ortografia. O poder político-administrativo centralizado da capital não lhe confere qualquer título régio ou canónico, quando tentamos aferir qual a forma correta para falar o bom Português. Tradicionalmente dizemos que é em Coimbra que essa aproximação é maior, devido á presença da vetusta Universidade.

Canto de Maio (Mailied) de Goethe em Português


Como gloriosamente luz
A Natureza para mim!
Como brilha o sol!
Como o prado ri!

As flores irrompem
de cada ramo,
milhares de vozes
que eu declamo

Alegria e prazer 
de cada peito.
Ó terra, ó sol!
Ó ânimo, ó feito!

Ó amor, ó amor!
Tão dourada e bela,
como a nuvem matinal
pura e singela!

Abençoas gloriosamente
o campo virgem,
sensuais fragrâncias
que me atingem.

Ó rapariga, rapariga,
como eu te amo!
Como teus olhos cintilam!
Como te proclamo!

Tal como ama a cotovia
o vento e o canto,
as flores da manhã
e o belo encanto.

Como eu te amo
com sangue ardente,
que me rejuvenesce,
e em ti sou crente.

Novas canções
e danças afamas.
Para sempre feliz,
como tu me amas!
      Wie herrlich leuchtet
      Mir die Natur!
      Wie glänzt die Sonne!
      Wie lacht die Flur!

      Es dringen Blüten
      Aus jedem Zweig
      Und tausend Stimmen
      Aus dem Gesträuch,

      Und Freud und Wonne
      Aus jeder Brust.
      O Erd, o Sonne!
      O Glück, o Lust!

      O Lieb, o Liebe!
      So golden schön,
      Wie Morgenwolken
      Auf jenen Höhn!

      Du segnest herrlich
      Das frische Feld,
      Im Blütendampfe
      Die volle Welt.

      O Mädchen, Mädchen,
      Wie lieb ich dich!
      Wie blickt dein Auge!
      Wie liebst du mich!

      So liebt die Lerche
      Gesang und Luft,
      Und Morgenblumen
      Den Himmelsduft,

      Wie ich dich liebe
      Mit warmen Blut,
      Die du mir Jugend
      Und Freud und Mut

      Zu neuen Liedern
      Und Tänzen gibst.
      Sei ewig glücklich,
      Wie du mich liebst!

Obra publicada sob a licença CC BY-SA

A falácia de Varela


Raquel Varela é indubitavelmente uma intelectual que prezo ler e ouvir, é de esquerda, mas não se identifica de todo com os novos movimentos de esquerda que prezam cancelar individualidades com as quais não concordam ou que preferem defender minorias, mesmo que abastadas, apenas porque são minorias historicamente ostracizadas. Poder-se-á dizer, mesmo que Varela nunca o tenha afirmado publicamente, que é uma marxista conservadora defensora do proletariado. Tudo o que Raquel Varela escreve é interessante e amiúde factualmente verdade, como por exemplo o facto de os salários em Portugal serem demasiado baixos para o custo de vida do país. Diz-nos aliás, que de acordo com um estudo do ISEG, o salário mínimo real em Portugal é de 1100 euros.

Contudo não nos aponta um único caminho realista que seja para aumentar salários, exceto o da famosa falácia do "resultado a atingir", neste caso "é preciso subir salários" (a falácia do indivíduo que diz todos os dias "preciso de emagrecer", mas nunca se questiona como). Como é que se aumentam salários? Por decreto e vontade política? Mas se basta um decreto e muita vontade política, por que motivo nenhum ditador africano se lembrou de tal técnica administrativa para tornar o seu país rico? Varela não responde à pergunta pois sabe que entraria imediatamente numa contradição ideológica: os salários médios da população são mais altos quanto mais liberal e capitalista é um país, e aliás a literatura neste ponto é clara. Os países onde os salários médios são mais altos, mesmo já considerando Paridade Poder de Compra, são todos países com regimes capitalistas e com economias de mercado, mesmo que tenham amiúde um estado social assistencialista, como a Noruega ou a Dinamarca. Basta ver ademais os fluxos migratórios do próprio proletariado: para que tipo de regimes emigra o proletariado, quando tal oportunidade lhe é concedida?

A Ciência não é teleológica


A professora Joana Cabral da Universidade Lusófona tem sido uma acérrima crítica do colonialismo esclavagista perpetrado pelo império português. Não me oponho de todo às questões éticas ou históricas evocadas pela académica. Contudo a professora faz uso dos pergaminhos científicos para legitimar e defender um ideal. Não há muito tempo um grupo de 67 signatários de um manifesto, defendia que "a produção de conhecimento académico não se coaduna com propósitos de normalização, legitimação e branqueamento de um partido racista". Mais uma vez não me oponho aos epítetos atribuídos ao partido de extrema-direita. Como formado em Ciências, devo no entanto referir que a falácia comum é não considerar que a ciência não é teleológica. Repito, a ciência não é teleológica, ou seja, não tem um fim ou um propósito que não seja o do mero conhecimento. A Ciência visa exclusivamente o conhecimento (do Latim scientia=conhecimento). Por conseguinte a Medicina não é uma ciência, porque tem um fim e um propósito para lá do mero conhecimento, o do salvar a vida das pessoas. A Biologia e a Química, essas sim são sim ciências. Da mesma forma que a Engenharia não é uma ciência, é uma arte ou uma técnica, que se baseia na Física e na Matemática, sendo estas Ciências. Esta é uma falácia comum perpetrada por ideólogos da esquerda à direita. A Ciência não visa o bem estar do Homem, a paz dos povos, a prosperidade, a justiça ou a igualdade, visa apenas o conhecimento através do método científico. Misturar Ciência e Ideologia é portanto profundamente errado e manifesta um desconhecimento profundo sobre o que é o método científico. Em suma, do ponto de vista estritamente empírico, a Ciência visa apenas a busca pela Verdade.

Fisco do séc. XXI, sistema eleitoral do séc. XIX


O estado português foi ótimo a digitalizar-se na autoridade tributária, não admira, pois é na fiscalidade sobre os contribuintes que a máquina se alimenta independentemente da sua eficiência. A classe política tem plena consciência que uma das peças fundamentais do estado é a cobrança de receita fiscal. É hoje possível, graças ao enorme esforço de digitalização na administração pública, pagar impostos ou mesmo renovar a carta de condução sem sair de casa, fazendo uso do certificado digital do cartão de cidadão ou da Chave Móvel Digital, esta última funcionando através de um simples SMS enviado para o nosso telemóvel. Existe aliás um organismo público que tem feito um trabalho notável nesta área (AMA), existindo ademais variadíssimo ordenamento jurídico que já estipula que diversos atos administrativos efetuados com o certificado digital do Cartão de Cidadão são equivalentes à presença física do cidadão, como por exemplo a última revisão do código da estrada de 2020. E o sistema é seguro e fiável. Contudo, ainda usamos um sistema eleitoral do século XIX, com boletins de voto em papel, escritos a esferográfica e contados um-a-um à mão por cidadãos coagidos para o efeito.

A classe política preocupa-se amiúde com a abstenção mas pouco faz para a alterar. O facto de o eleitor poder votar unicamente num único espaço físico em particular associado à sua residência oficial é outro anacronismo do nosso sistema eleitoral. Porque motivo um eleitor não poderia votar numa mesa de voto qualquer à sua escolha no território nacional, ou mesmo nas embaixadas, mostrando apenas para tal o seu cartão de cidadão? Para evitar fraudes e votos duplicados do mesmo cidadão, bastaria que os funcionários da mesa tivessem à sua disposição uma simples base de dados comum ligada a um servidor do estado, em que após se ter registado na mesa de voto, ficaria registado no sistema que aquele cidadão já tinha votado. Uma autêntica banalidade informática. É hoje em dia possível fazer tudo e mais alguma coisa sem sair de casa, desde comprar fraldas para o bebé, encomendar uma piza, até fazer transferências bancárias. Contudo os nossos doutos políticos ainda nos apresentam um sistema eleitoral, em que nos obrigam a deslocarmo-nos de inverno, em plena crise pandémica, a uma determinada mesa de voto definida por burocratas, para que, de esferográfica em riste, possamos cumprir com um dos nossos deveres cívicos. E sim, numa era onde a tecnologia é cada vez mais parte integrante das nossas vidas, não podermos exercer o nosso direito de voto através de uma qualquer aplicação android ou iOS, é também um enorme contributo para o fenómeno preocupante da abstenção, ainda para mais no meio de uma crise pandémica.

O estado como grande gestor de empresas


Sud-Express (1930),
Biblioteca de Arte Fundação Calouste Gulbenkian
O jornal Público dá-nos um excelente e saudoso retrato do que foi o Sud Expresso, que ligava Lisboa à fronteira com França e que efetuou a primeira viagem em 1887. Não vale a pena repetir o conteúdo do artigo pois este está excelente, sendo que o artigo da Wikipédia também está bem elaborado. Em acréscimo deixo aqui a minha nota ideológica: o Sud Expresso foi fundado no auge da ferrovia no final do século XIX por uma empresa exclusivamente privada e assim foi gerido por muitas décadas de sucesso. Certo dia, o estado, mais precisamente os estados português (através da CP) e espanhol (através da Renfe), na senda das nacionalizações do mercado ferroviário e da putativa prestação de serviço público, nacionalizaram a empresa e passaram a gerir a operação. Uma empresa gerida por um estado já é ineficiente, agora imaginem gerida por dois. Para saciar toda a ineficiência e reivindicações inerentes, como greves constantes ou ter pica-bilhetes com salários de engenheiros, a empresa prestou cada vez pior serviço, mais caro para o utente, sendo a operação cada vez mais deficitária financeiramente. Até que certo dia de 2020, a operação foi suspensa por tempo indefinido sob o pretexto da pandemia. 

O estado pega nas empresas e estas ou sugam durante anos os contribuintes, como o caso da TAP, ou são fechadas para estancar a sangria financeira do erário público. A CP Carga desde que foi privatizada e comprada pela Medway, já baixou a dívida e os prejuízos e já cresceu cinco vezes. Os Estaleiros de Viana do Castelo nunca  tiveram um ano tão bom como o de 2020, com uma faturação de 100 milhões de euros, desde que o estado abandonou "o desígnio pelo mar" em 2014, tendo deixado a empresa completamente falida e envolvida em negócios ruinosos.

A esquerda não só é facciosa, como jamais se verga perante as evidências. Em suma, é uma questão de fé!

Como a República de Roma conquistou a Grécia


Observei agora um documentário longo, muito denso e com uma qualidade histórico-pedagógica assinalável, em como a República Romana tomou por completo a região que hoje se denomina simplesmente por Grécia. Escrevo pois fazê-lo é um excelente exercício para que consiga solidificar o conhecimento que adquiri ao longo destas duas horas.

O documentário dá-nos o retrato detalhado em como a República Romana tomou por completo a Grécia e a Macedónia nos áureos períodos da República e como o senado romano usou com destreza a diplomacia e o princípio de "dividir para reinar". Fala-nos das várias guerras macedónicas e de como os diversos impérios sucessores de Alexandre o Grande, como o império da Macedónia, o Selêucida e o Ptolomaico foram sendo vencidos quer entre guerras entre si, quer pelas legiões romanas. Também nos descreve como os romanos usavam de forma inteligente a diplomacia para se aproveitarem de ódios internos no mundo helénico e assim criarem alianças em seu favor, como por exemplo com a Liga Etólia, com Atenas ou com Esparta, que apesar de helénicos, se odiavam mutuamente. Não só os romanos usavam a diplomacia de forma extremamente astuta e inteligente, como em vários tratados de vitória estabeleciam contratualmente que os filhos menores dos líderes derrotados seriam enviados para Roma enquanto reféns. De salientar que esta noção de refém para Roma tinha apenas essencialmente um significado bélico-diplomático, pois os menores eram educados na cultura romana e inseridos em famílias aristocráticas tendo condições de vida muito superiores à maioria das crianças romanas. Roma não o fazia por caridade ou piedade, pois estes "romanizados" seriam mais tarde enviados para os seus países de origem, e considerando a sua linhagem real, influenciar as cortes locais para que estas tomassem partido por Roma. Tal aconteceu com Demétrio, filho de Filipe V da Macedónia, tendo este último instigado por diversas vezes Roma para a guerra, tendo Demétrio sido tomado como refém e "romanizado", tomando partido por Roma posteriormente nas cortes macedónicas e mais tarde envenenado muito provavelmente a mando do seu próprio pai, Filipe V da Macedónia

O documentário também nos demonstra aspetos extremamente contemporâneos da política internacional, na medida de que sempre que os romanos subjugaram um império inimigo, não o aniquilavam na plenitude, deixando na sua regência vários líderes locais para que fossem "amicais com Roma", naquilo que o senado denominava por "nação amiga". Embora houvesse limitações à dimensão dos exércitos e da marinha dos estados subjugados, tinham alguma autonomia e eram regidos por locais, tornando-se contudo naquilo que hoje se pode denominar de "estado fantoche", mas um progresso assinalável para a época em questão em que o princípio bélico vigente era quase exclusivamente vencer, pilhar e ocupar. Os romanos também o faziam de forma selvática e violenta, e isso é claro no documentário, mas normalmente apenas após várias tentativas falhadas e espaçadas ao longo de décadas, como é claro com as três guerras púnicas contra Cartago ou com as quatro guerras macedónicas, sendo que a romanização total da Grécia Antiga surge apenas após a última destas guerras com a constituição da Província Romana da Macedónia. Também é possível verificar ao longo dos vários séculos como as legiões romanas e a estratégia militar romana se tornaram superiores às longas falanges dos descendentes de Alexandre o Grande. Se é verdade que a civilização helénica nunca foi cívica e intelectualmente inferior à romana, também é verdade que a unidade da República de Roma e a sua astuta diplomacia e superioridade militar em muitos contextos, permitiu tirar enorme proveito das fragilidades internas do mundo helénico. 

A conquista que Roma faz ao mundo helénico daquilo que hoje se denomina simplesmente por Grécia, é um marco histórico de relevo pois de certa forma acaba por fundir as respetivas culturas, como é visível na próprio mitologia, e estabelecer um marco histórico e civilizacional que perdura até aos dias de hoje.

Nota ideológica no contexto português contemporâneo

O documentário é completamente de livre acesso, tem uma qualidade assinalável, sendo que os respetivos criadores sobrevivem apenas de donativos e de publicidade. Esta grande obra histórico-pedagógica de serviço público custou zero euros aos contribuintes dos países onde o documentário é observado e à data que escrevo tem mais de 800 mil visualizações. Enquanto isso, os consumidores portugueses são forçados a pagar quase 500 mil euros por dia, repito, por dia, para que a RTP difunda o "Preço Certo" e demais obras de arte repletas de "serviço público", enquanto a oligarquia intelectual do regime aplaude de forma apoteótica o exemplar "serviço público de televisão", olvidando que tal mais não é que um legado requentado da propaganda do Estado Novo. Passos Coelho tentou privatizar a RTP mas entregou tal pasta ao medíocre Relvas, e por conseguinte, se com as finanças públicas depauperadas e com o país sob o jugo de uma troika não se conseguiu libertar os consumidores portugueses do frete oneroso de "proteger o serviço público de televisão", muito menos será possível nas condições vigentes, até porque não é uma medida que receba consenso na própria direita portuguesa. Não haja a menor dúvida que, mais uma vez, a esquerda portuguesa presta um péssimo serviço à pedagogia e à cultura, por considerar quase como um dogma insofismável de que para haver obras e peças com enorme serviço público, como por exemplo, com qualidade pedagógica assinalável, tal exige a existência de um estado subsidiário. Eu normalmente refuto de forma categórica esta tese com um simples contra-exemplo: quando um cidadão anónimo recolhe o lixo da sua rua de forma voluntária presta um enorme serviço público à comunidade, já quando um funcionário camarário das limpezas faz greve, presta um péssimo serviço público à comunidade. A esquerda comete o erro crasso de confundir serviço público com serviço prestado pelas administrações públicas e a Internet ao aproximar de forma cibernética milhões de pessoas de forma completamente livre e voluntária, releva de forma exemplar essa diferença assinalável.

E se a filha do Tony Carreira tivesse sido violada e assassinada por um preto?


O meu argumento já várias vezes apresentado neste espaço aplica-se no presente caso mutatis mutandis, para que consigamos conhecer com melhor precisão a natureza humana e para que consigamos conhecermo-nos melhor a nós próprios, à luz da psicologia evolutiva. Tal também nos ajuda a compreender por que motivo os movimentos de extrema-direita têm tanta aceitação e popularidade junto da plebe. Recomendo também o que escrevi em tempos sobre "A origem e o anacronismo do medo".

Fonte: PORDATAAPAV e jornal Expresso

O PCP, o Chega e a falácia de Francisco Louçã


O tirano Khomeini combateu
ferozmente, na clandestinidade e no exílio,
o tirano Reza Pahlavi

Francisco Louçã no seu espaço de comentário (a partir do minuto 12:00) afirma que é um "insulto à inteligência" fazer comparativos entre o PCP e o Chega no que concerne ao facto do PCP defender regimes tirânicos, porque, de acordo com Louçã, os militantes do PCP foram dos mais veementes opositores da tirania preconizada pelo regime de Salazar. Fernando Medina defende publicamente a mesma tese, referindo que a nossa liberdade para nos expressarmos politicamente devemo-la aos mártires do PCP. Para ambos, se o PCP combateu um tirano, tal apenas significa que é um partido que não pode defender tiranias. Ora tal é uma enorme falácia do ponto de vista lógico-argumentativo, pois há uma imensa variedade de tiranias, sendo perfeitamente possível ser-se tirano e combater-se uma tirania com a qual não concordamos. E a história está repleta de exemplos de tiranos que combateram outros tiranos. O Exército Vermelho liderado por um tirano denominado Estaline combateu a Wehrmacht liderada por um tirano denominado Hitler. Ruhollah Khomeini, que implementou uma tirania de índole islamita no Irão, combateu ferozmente o Xá Reza Pahlavi, outro tirano sanguíneo. Os bolcheviques, bárbaros e tiranos sanguíneos de índole colectivista, combateram no início do século XX o Czar Nicolau II, outro tirano sanguinário que vivia de forma faustosa enquanto a sua população vivia famélica. Será que é reconfortante para um preso político que vivia num gulag, saber que os seus captores combateram um tirano? O tirano Fidel Castro combateu o tirano Fulgencio Batista, aliás apoiado pelos EUA, visto que os EUA também são pródigos a apoiar tiranias, desde que as mesmas sejam condicentes com os seus interesses económicos. E falo apenas da História contemporânea, porque se remontarmos à idade média, não consta que houvesse regimes libertários ou democráticos a lutar contra tiranos, bem pelo contrário, todo o panorama político-militar não passava de tiranos a combaterem outros tiranos com diferentes nacionalidades, religiões ou visões ideológicas. Por conseguinte, consagrar ao PCP e aos seus militantes algum tipo de direito ou moralidade régias e supremas, por terem combatido de forma veemente um tirano como António de Oliveira Salazar, do ponto de vista lógico e político, é uma enorme falácia, pois tal nada nos diz sobre a índole tirana do PCP e dos regimes tirânicos que defende. Na prática, o que o PCP queria ter feito e fá-lo-ia se não tivesse tido oposição dos democratas, seria apenas "mudar a cor da tirania". Um oficial do Exército Vermelho destacado para a frente de combate terá dito uma frase famosa que desmonta a tese de Francisco Louçã: "entre combater por um tirano como Estaline ou outro como Hitler, limito-me a escolher aquele que fala Russo".

Richard Dawkins vs Jordan Peterson


Jordan Peterson constantly criticizes Sam Harris and Richard Dawkins, well known atheists, for not taking into consideration the complexity of human behaviour with respect to human desires and mental constructs. Peterson refers that these aspects of complex human behaviour, when it comes to morality or consciousness, are to be found for example in literature, such as in the works of Nietzsche or Dostoevsky. Although patronising, attitude which Dawkins constantly criticizes, I partly believe in Peterson's reasoning, because the Human Being cannot find pleasure and awe solely on Reason and Science, although the Universe and the seek for scientific enquiry are extremely awesome. As Feynman would refer, rainbows have not ceased to be beautiful, since the moment we knew precisely how they are formed. But morality and human interactions are more earthly and daily needed than the redshift of faraway galaxies. 

But in essence, the views of Dawkins and Nietzsche or Dostoevsky are not at all incompatible, as Peterson seems to suggest. The fact that the brain is an extremely complex organ with trillions of neurons, which evolved over thousands of years, makes us prone to believe in myths and tales and surely they might be effective on human behavioral. But as Dawkins' core argument puts it, those needs for mythology, although plausibly effective on moral behaviour, don't make such a mythology per se truthful.

Da civilidade e da política - devem os políticos comer de faca e garfo?


Primeiro-Ministro japonês comendo sushi,
cujo peixe foi capturado junto a Fukushima
Pedro Mexia, cujas opiniões sensatas me apraz ouvir, refere constantemente no espaço público, como forma de atacar Trump e outros políticos populistas, que o mínimo que se pode exigir à classe política é que "coma de faca e garfo", ou seja, uma parábola para que a classe política obedeça a critérios de civilidade e sensatez. Embora na generalidade eu concorde com o conceito, tenho as minhas objeções que tal seja um critério deveras essencial na política, pois o pior lobo é aquele que se mascara de ovelha, fazendo eu também aqui uma comparação metafórica. Quando analisamos a política externa americana no domínio das suas campanhas militares, vemos claramente que a administração Trump foi pautada, por muito paradoxal que possa parecer, por uma política de isolacionismo, o que na prática, no contexto americano, significa uma política de Paz. Já a administração de Bill Clinton, cujo presidente comia certamente de faca e garfo, envolveu os EUA nas guerras de Bósnia, contra a Sérvia, o Iraque, o Afeganistão e o Sudão. Não digo com isto, nem de perto, que Trump seja um pacifista, pois o motivo para este paradoxo obedece a razões muito pragmáticas do ponto de vista político. Políticos que sejam tidos pela opinião pública como "civilizados, humanos e cordatos" têm muito mais margem de manobra política (leverage) para empenharem os seus países em guerras e campanhas militares. Assim como políticos de esquerda, que têm o "dom" por parte da opinião pública de serem mais humanistas, têm mais margem política para tomarem decisões desumanas ou insensíveis. Ou ainda como refere o humorista sul-africano Trevor Noah, os negros têm muito mais autoridade e legitimidade para contarem piadas sobre negros.

Indubitavelmente que Trump não só é um político medíocre, como é um político mentiroso, populista e demagogo. A questão é saber até que ponto esse tipo de políticas ou políticos, no contexto dos estados de direitos modernos, são nefastos para a saúde da própria democracia liberal em comparação com políticos polidos que coloquem de facto em causa o estado de direito ou a separação de poderes. Temos em Portugal, por exemplo, um político aparentemente sensato e extremamente polido, como António Costa, que através do ardil e do calculismo político, não só tomou conta do poder, como estando no poder tomou conta dos diversos organismos do estado que supostamente deveriam ser independentes do poder executivo. Eu percebo perfeitamente o argumento de Pedro Mexia, de que na política deve reinar a civilidade, a polidez e a urbanidade; alerto contudo ainda que há um enorme paradoxo histórico nessa análise: Hitler comia certamente de faca e garfo, i.e., não poderia haver líder político mais polido e educado nos costumes do quotidiano como Hitler e por certo raramente proferiu um impropério. Já Churchill era alcoólatra, fumava em demasia, era irascível e insensato, e as suas declarações públicas estão repletas de polémicas que ainda hoje são censuradas. Como conclusão devo referir que se é verdade que os políticos devem comer de faca e garfo, muito mais importante que o uso de talheres, são as suas ações concretas no domínio das políticas públicas e no respeito pelo estado de direito.

Green cars are like virgin prostitutes: they simply don't exist


 


Looking at the total CO2 emissions over the life cycle of a car, adding up all the emissions for which it is responsible, you can see that a hybrid or electric car (with the current energy mix in Europe) is only slightly better than a conventional car.

The idea of zero emissions for electric vehicles is an industry hoax to ease the consumer's environmental conscience when buying another car. Basically it is greenwashing. And hence how can you do really something for the environment? Keep your old car with good maintenance and controlled emissions, since buying a new one demands much more energy and CO2 emissions; use public transport since they emit much less CO2 or pollutants per passenger-distance travelled; use the bicycle as modus movendi because bicycles demand much less energy and emissions of CO2 to produce and drive; if you have a permanent and stable job find a house as close as possible to your job, because it is greener to use a diesel car 5 kilometers per day than an electric car 50 kilometers per day; or do what Homo Sapiens was already doing for 120 thousand years till the "automobile revolution", i.e., walk. Our ancestors walked several kilometers per day as they wandered the planes of Africa and later the valleys of Europe, so why do you insist in taking the car for a distance of less than 1 kilometer?

SourceTransitions towards a more sustainable mobility system (2016), European Environment Agency.

Da separação de poderes no XXII Governo Constitucional de Portugal


A separação de poderes é uma pilar fundamental de um estado de direito, e embora classicamente tal como plasmado nas primeiras constituições portuguesas, como a de 1822, se faça referência apenas aos clássicos três diferentes poderes, o legislativo, o judicial e o executivo que remontam à trilogia do barão Montesquieu; nas economias e democracias modernas a separação poderes deve ser mais alargada, abrangendo também, por exemplo, reguladores da atividade económica, fiscalizadores das contas públicas ou órgãos independentes fiscalizadores do poder executivo. Por ser natural a tendência autocrática do regente, é que o estado de direito pressupõe que os diferentes poderes, independentes entre si, se fiscalizem mutuamente (os afamados anglófonos "checks and balances") evitando que um dos poderes se torne um poder absoluto. Não querendo obedecer à lei do Godwin, basta observarmos como a República de Weimar transitou para o nacional-socialismo.

Assim sendo, excetuando a pathos, que é um traço populista do discurso de muitos dos detractores do presente governo, há contudo factos objetivos, que nos fazem crer que, embora a separação de poderes seja um pilar importantíssimo do estado de direito, não parece que tenha a máxima respeitabilidade por parte do chefe do poder executivo nem por parte do chefe de estado, pois em última análise é este último que legitima as propostas do executivo. Apresentam-se alguns factos e evidências concretos que nos fazem tecer esta tese:

  • António Costa, primeiro-ministro do XXI e XXII Governos Constitucionais, não reconduziu a Procuradora-Geral da República Joana Marques Vidal, que tinha iniciado vários processos importantes contra a grande corrupção; recorde-se que foi com Joana Marques Vidal que se deu início ao processo Marquês onde o ex-primeiro-ministro José Sócrates foi acusado de vários crimes de corrupção, e ao processo do ex-BES, onde o banqueiro Ricardo Salgado, cujo epíteto seria "Dono Disto Tudo", foi acusado de 65 crimes, entre os quais associação criminosa, vários tipos de corrupção, burla qualificada, falsificação de documentos, branqueamento de capitais, infidelidade, entre outros; considerando ainda que desde a indigitação da atual Procuradora não houve lugar a qualquer processo relevante contra o poder executivo nem contra a grande finança;
  • António Costa colocou o seu Ministro das Finanças, Mário Centeno, diretamente no Banco de Portugal, um importante órgão de regulação e fiscalização dos sistemas bancário e financeiro, e que avaliará o afamado processo do Novo Banco, processo esse iniciado e estabelecido pelo próprio governador do Banco de Portugal enquanto Ministro das Finanças; ou seja, não só no presente caso estamos perante um problema de separação de poderes, como de clara incompatibilidade de funções pois "juiz e julgado" serão a mesma pessoa;
  • António Costa não reconduziu o presidente do Tribunal de Contas, que tinha tecido diversas críticas ao poder executivo por ter apresentado um projecto-lei que, segundo o tribunal, acarretaria riscos para a transparência pois aumentaria "as possibilidades de conluio na contratação pública e distorção de concorrência”; tendo colocado na presidência do referido tribunal um indivíduo que enquanto dirigente do referido tribunal, sugeriu diretamente ao governo de José Sócrates como ultrapassar objecções levantadas pelo tribunal relacionadas com as ruinosas PPP rodoviárias, que lesariam o estado em mais de 3 mil milhões de euros; 
  • António Costa escolheu o segundo candidato da lista, e não o mais competente, i.e. o primeiro, para a Procuradoria Europeia, porque alegadamente a magistrada vencedora teria iniciado um processo judicial a propósito do caso das golas inflamáveis, caso esse que gerou polémica contra o presente executivo;
  • Os directores da Polícia Judiciária, órgão fundamental para a investigação da grande criminalidade organizada e financeira, estão a ser sistematicamente substituídos por pessoas provenientes do Ministério da Justiça, ou seja, diretamente provenientes do poder executivo.
Logo, independentemente do quadrante político-ideológico em que nos encontremos, estamos perante factos indesmentíveis que demonstram que o chefe do poder executivo, não só tem um pendor autocrático, como me parece que pode estar a colocar em risco um pilar fundamental do estado de direito democrático, que é a sacrossanta separação de poderes tal como plasmada nos princípios basilares de Montesquieu.

Avante Matemática


A Quinta da Atalaia onde se realiza a festa do Avante tem 25 hectares, o que dá 250 mil metros quadrados. Com uma ocupação de 33 mil visitantes, resulta numa média de 7,5 metros quadrados por pessoa. Se a distância mínima entre pessoas deve ser 1,5 metros, tal, considerando um raio de 0,75 metros em torno do indivíduo, resulta numa superfície circular de cerca de 1,77 metros quadrados. Logo a área aparenta ser mais que suficiente. Contudo, ao contrário das praias, as pessoas não estão imóveis sentadas no solo, e teríamos de assumir que todas as pessoas estariam homogeneamente distribuídas pela superfície total da quinta, o que é manifestamente irrealista, pois as pessoas juntar-se-ão ou entre si como é natural entre camaradas, ou junto a locais de interesse como zonas de restauração. Logo, aritmética e probabilisticamente falando, a distância de 1,5 metros entre as pessoas não será cumprida.

Por que o governo da Holanda teve algumas reservas contra o sul da Europa


A questão é complexa e, no meu entender, envolve fenómenos económicos, culturais e sociais. De acordo com as sondagens, 1/4 dos holandeses vota em partidos eurofóbicos e xenófobos, ou seja, o partido do xenófobo Geert Wilders (PVV) mais um partido elitista dos ricos de Amesterdão denominado Fórum para a Democracia (FvD), que além de propor o Nexit é marcadamente eurofóbico e contra qualquer imigrante desqualificado, representam cerca de 1/4 do eleitorado. Como estes dois partidos estão a ganhar terreno eleitoral e como Mark Rutte sabe-o bem, o primeiro ministro holandês tem consciência portanto que não pode dar margem à sua direita, até porque as eleições são para o próximo ano. Adicionalmente, a maioria dos votos do eleitorado é detida por partidos europeístas e liberais, o Partido Popular para a Liberdade e Democracia (VVD), i.e. o partido de Rutte e o D66, partido marcadamente liberal e europeísta. Estes dois partidos representam mais de metade do eleitorado holandês. O restante 1/4 representa partidos socialistas, trabalhistas, verdes, cristãos e de animais. Como pode o leitor reparar, o panorama político-partidário é muito diferente do de Portugal. 

O problema contudo é que a narrativa dos partidos da extrema-direita holandesa assenta obviamente numa premissa redutora e maniqueísta da clássica cigarra versus formiga, quando de facto o Euro permitiu que as empresas holandesas pudessem exportar os seus produtos para o sul da Europa. As empresas holandesas já eram muito mais eficientes que as do sul antes da introdução do Euro, mas a moeda única colocou tal diferença a nu ao colocar as empresas menos competitivas do sul no mesmo mercado interno que as holandesas. Certo dia quando passava férias em Cádiz fiquei surpreso ao denotar que nos supermercados locais os tomates que mais são vendidos, são os tomates holandeses, o que é um enorme paradoxo à primeira vista, pois os tomates são frutos que necessitam de muito sol, o que abunda em Espanha e escasseia na Holanda. Mas a agricultura holandesa é pioneira em tecnologia, sendo a Holanda o segundo maior exportador do mundo em produtos agroalimentares, apenas ultrapassada pelos EUA, com uma superfície muitíssimo maior e com muitíssima mais população, tendo a Holanda uma superfície pouco superior à do Alentejo (os Países Baixos têm cerca de 40 mil quilómetros quadrados de superfície enquanto o Alentejo tem cerca de 30 mil). Tal é um feito enorme da tecnologia agroalimentar, e o Euro colocou estas empresas altamente eficientes em competição directa com os agricultores da Península Ibérica, criando enormes assimetrias comerciais, restando aos países do sul oferecer o que o engenho do norte jamais conseguirá providenciar com melhor qualidade do que o sul, ou seja, bom clima para o sector do turismo. Ora a pandemia veio agravar o último recurso importante dos países do sul no mercado interno. A maioria dos eleitores holandeses é sensível a este racional, mas uma parte substancial, quer os menos letrados e ignorantes, quer uma elite aristocrática de Amesterdão farta de imigração islâmica, não lhe importa estes argumentos e quer simplesmente cessar a transferência de fundos para o sul da Europa, até porque alegam, parcialmente com razão, que tal como foi alegado durante o debate do Brexit, podem sempre fazer trocas comerciais com o resto do mundo.

Adicionalmente existe a questão protestante, que já não tem tanta influência como se julga, até porque a grande maioria dos holandeses não é crente, mas pode ter alguma influência cultural, visto que na tradição luterana a redenção é feita não através da caridade, mas através do trabalho. Além disso, há ainda alguma demagogia na comparação com os benefícios de outros povos europeus, que parcialmente compreendo, porque o estado holandês há muito que fez reformas que baixaram as garantias e benefícios para o seu próprio povo (a Holanda tem por exemplo de acordo com a OCDE, das lei laborais mais liberais do mundo), e muitos holandeses não compreendem porque motivo hão de sustentar outros estados que providenciam benefícios superiores, sendo o caso típico a idade de reforma que na Holanda é aos 68 anos, não havendo muitas exceções para casos especiais como existe amiúde no sul da Europa, e quando, por exemplo, em França a idade de reforma é aos 62 anos.