Alguns pontos sobre o coronavírus


Modelos matemáticos e epidemiológicos

Um modelo matemático extremamente eficaz para aferir o número de infectados numa determinada população limitada, denomina-se modelo SIR (Susceptíveis, Infectados, Recuperados) que se aplica nos modelos compartimentados em epidemiologia e cujas equações diferenciais são normalmente infalíveis para descrever a realidade. Estamos na fase de crescimento exponencial e até à inflexão da curva onde a segunda derivada é zero e a concavidade muda de sinal, isto é, a concavidade passa "a apontar para baixo", será cada vez pior. Em Itália já vai em mais de 4800 mortos à data que escrevo. Segurem-se bem, porque o pior está para vir "até ao alisamento da curva". A Matemática, se tivesse sido deusa helénica, teria tido esta faceta de se estar completamente a defecar para os sentimentos dos homens.
Modelo SIR;
a azul os Susceptíveis, a verde os Infectados, a vermelho os recuperados
Número de mortos em Itália e na China.
Número total de casos em Itália. Fonte: worldmeter
A curva italiana obedecerá a uma determinada dinâmica inercial e não há possibilidade de a mudar repentinamente. Os dados apontam para que esteja ainda na fase de aceleração, onde a concavidade da curva aponta para cima. Se repararem há um ponto na curva a verde, perto do ponto 13, no primeiro gráfico, onde a curva a verde começa a mudar de concavidade e a partir do qual a concavidade começa a apontar para baixo. Reparem que não me estou a referir ao máximo da curva, a partir do qual número de casos começa a decrescer, algures perto do ponto 20 na referida curva a verde. Refiro-me apenas à concavidade da curva, isto é, quando deixa de estar voltada para cima e passa a estar voltada para baixo, i.e., quando a taxa de crescimento começa a decrescer. Ainda nem sequer estamos nessa fase em Itália, pelo contrário, estamos ainda na fase de aceleração, onde as taxas de crescimento aumentam diariamente.

Os vírus no contexto do darwinismo

Os vírus são microorganismos que contêm uma membrana exterior e material genético no seu interior. Como não se conseguem multiplicar de forma autónoma ou entre si, senão por recurso à invasão da célula do hospedeiro, há quem nem sequer os considere como seres vivos. Contudo, a comunidade científica acredita que existem vírus desde que existe vida na Terra e certamente não são uma fenómeno recente. Há aliás um domínio científico extremamente recente denominado paleontovirologia que estuda, através de sobreposição de ADN de diversas espécies diferentes de hospedeiros mas com um ancestral comum conhecido, a origem de determinados tipos de vírus. E as conclusões é de que os vírus são extremamente antigos e remontam muito provavelmente às origens da vida, ou seja, há cerca de 540 milhões de anos quando formas de vida mais complexa surgiram com o início do Fanerozoico, muito provavelmente já existiriam vírus. Não digo que algumas hipóteses conspirativas não possam ter credibilidade, desde um acidente num laboratório até à elaboração do vírus como arma biológica. Digo apenas que os vírus sempre existiram desde que existe vida na Terra, e considerando a evolução por seleção natural, considerando demais que os vírus têm mutações extremamente céleres quando comparadas com as mutações dos hospedeiros, conseguem adaptar-se extremamente bem a novas circunstâncias e novos ambientes. Este vírus, o vírus da síndrome respiratória aguda grave 2 (SARS-CoV-2) tem espinhos proteicos que se agarram às células dos hospedeiros com elevada eficiência, mecanismo similar ao acoplamento usado no velcro. Ora é exatamente devido a estes espinhos que o vírus se tornou tão eficaz, e certamente o aparecimento dos referidos espinhos sucedeu devido a mutações genéticas aleatórias explicadas pela evolução por seleção natural, que, considerando o facto de serem eficazes a hospedarem-se nas células humanas, fez com que esta estirpe tivesse sido muito bem sucedida e por conseguinte se tivesse multiplicado. Enfim, darwinismo na mais elementar das acepções.

Das questões económico-financeira e ambiental

Qualquer pandemia acarreta problemas económicos, todavia considero interessante a forma como os europeus estão a encarar a questão. Na China, o problema foi encarado com manu militaris e os números dos infetados e das mortes compuseram-se. Na Europa, terra natal de revolucionários e contestatários, não se pensa noutra coisa que não pedir mais apoios ao estado. A Comissão Europeia já disse que as regras do défice não são para cumprir, mas ninguém nos envia cheques em branco, e por conseguinte, o que está implícito é exatamente mais défice o que implica, pelas mesmas regras matemáticas que atrás referi, mais dívida. E tal afectará ainda mais os países que já têm elevado endividamento, como Portugal e Itália. A introdução das euro-obrigações é uma excelente ideia, mas obviamente que tem riscos. Imaginem o que seria um Sócrates com o instrumento das euro-obrigações? Teria sido uma autêntica orgia de défice e dívida, em que uma parte teria sido mutualizada com os parceiros europeus, o que teria criado nas opiniões públicas dos países ricos um sentimento xenófobo muito mais acentuado e uma sensação muito mais vincada nessas opiniões públicas de uma transferência de capital dos mais ricos para os mais pobres.

Fonte: Eurostat e jornal Público
Portugal sofrerá indubitavelmente mais que a Alemanha ou a Holanda, pois é um país que depende largamente do turismo e do consumo, dos setores que sairão mais afetados. Não é altura para querelas político-ideológicas, mas muita gente avisou e alertou que a boa onda de consumo e de turismo que alimentava a estabilidade da Geringonça, na sua benevolência social, não iria durar para sempre. E não, não falo do diabo até porque sou ateu e não acredito em deidades nem em mitologia. Refiro-me simplesmente que os ciclos de expansão e de retracção na economia são isso mesmo, ciclos, e repetem-se devido a diversas e variadas circunstâncias. E a política seguida por este governo foi demasiadamente despesista e ousada na reversão de medidas do anterior executivo, e baseava-se essencialmente no bom desempenho dos indicadores económicos acima mencionados, ou seja, consumo e turismo, exatamente dos setores que poderão sair mais prejudicados com a recente pandemia. A Alemanha, que é um portento industrial, só depende do turismo em 1% do PIB, e a Irlanda, um dos países da UE com o maior PIB per capita, é o país em que o seu PIB menos depende do consumo.

Em qualquer caso, todas as crises são excelentes oportunidades para novos negócios e novos contextos. As ferramentas online de trabalho cooperativo disparam acentuadamente, as compras online dispararam na sua procura, os serviços postais estão a trabalhar como nunca e as vendas de comida para fora aumentaram substancialmente. Uma excelente oportunidade para investir nos CTT, na Amazon ou no Continente online. E demais o ambiente, é paradoxal dizê-lo, agradece! Muito fez Greta Thunberg, politicamente, para que baixássemos as nossas emissões de gases com efeito de estufa, mas as referidas emissões estavam intrinsecamente relacionadas com o consumo, e por muito eficiente que fosse tal consumo seria extremamente difícil diminuirmos as referidas emissões. Na China a poluição já foi reduzida em 25% e em Portugal o caminho será semelhante. Paradoxalmente o ambiente agradece ao coronavírus.

Imagens de satélite de Gases com Efeito de Estufa
antes e depois do início da pandemia. Fonte: NASA