Transportes, os dados que os economistas não publicam



Não que acredite que numa ciência que se quer analítica e exata quanto possível haja matérias tabus, mas não deixa de ser interessante que em todas as soluções energético-económicas, em nenhuma delas com impacto mediático de relevo, observamos os economistas mencionarem o elevado défice na balança comercial que representa a parcela das importações alocada a automóveis mais combustíveis. Noticia ainda o Jornal de Notícias há uns tempos, através do seu suplemento económico, que por ano o país desperdiça cerca de 2 mil milhões de euros (1,1% do PIB), apenas na queima de combustíveis devido ao congestionamento.

Défice externo e as externalidades negativas

Temos que distinguir na elevada hegemonia automóvel essencialmente duas parcelas económicas prejudiciais para o país, o défice externo e as externalidades negativas. A primeira prende-se então com o elevado défice na balança comercial que a hegemonia automóvel implica, através das importações de automóveis mais os combustíveis para os locomover. Segundo dados da DGEE, mais de 99% dos transportes em Portugal movem-se a derivados do petróleo, matéria prima que não é endógena. Segundo ainda os dados do INE, na década compreendida entre 2000 e 2010, as importações de automóveis e combustíveis representaram cerca de 106 mil milhões de euros, um valor superior ao empréstimo da troika e cerca de 60% do PIB. Não deixa de ser interessante, e tal pode ser observado pelo gráfico acima, que o saldo negativo da balança comercial para bens e serviços, tem sido muito próximo do total de importações de carros e combustíveis, revelando o enorme impacto negativo que estas duas parcelas - as duas primeiras nas importações em valores absolutos - têm no défice da balança comercial.

Desde 2010 que existe retração do consumo, e com a queda abrupta na venda de veículos, a balança comercial conseguiu pela primeira vez em vários anos, ter um saldo positivo, mas infelizmente, com a recuperação novamente do consumo e da compra de veículos automóveis, com alguns benefícios fiscais por parte do poder executivo, a balança comercial regressou novamente aos níveis deficitários das últimas três décadas. Percebe-se que o automóvel acarreta então elevados défices da balança comercial, dinheiro que as empresas e as famílias colocam no estrangeiro.

Mas será que essa quantidade abismal de recursos financeiros que colocamos no estrangeiro todos os anos, resolve os problemas de mobilidade com que o país se depara? É esse na realidade o objetivo de tamanho défice externo alocado a estas parcelas, melhorar a mobilidade do país. Na realidade percebe-se que devido à baixa capacidade de fluxo de corredor - número de passageiros por segundo por metro de largura de via, que podem ser transportados em média num determinado sentido - do modo rodoviário, e muito principalmente do meio de transporte automóvel; o automóvel não resolve, nem de perto nem de longe, os problemas que o país enfrenta no domínio da mobilidade. Simplificando, o modo rodoviário como o conhecemos é, do ponto de vista económico, na relação entre custo/benefício, altamente ineficiente, pois o que obtemos de mobilidade em termos de quilómetros percorridos, acessibilidade, tempo de trajeto e segurança, é muito pouco considerando os recursos que alocamos para este meio de transporte.


Além de ter uma capacidade de fluxo muito baixa, o automóvel é dos meios de transporte mais ineficientes em termos de Joules consumidos por passageiro-km. Basta pensarmos que no dia-a-dia é comum vermos automóveis com uma potência de 90 cavalos-vapor a locomoverem apenas uma pessoa. Tal tem um nome em engenharia: ineficiência! Reparemos que o automóvel convencional com motor de combustão é assim, 97 vezes menos eficiente que, por exemplo, o velomóvel. Mesmo o carro elétrico é 30 vezes menos eficiente que o velomóvel e cerca de 10 vezes menos eficiente que a bicicleta.


A segunda parcela que pode ser diferenciada da primeira, refere-se então às externalidades. Em economia, externalidades são os efeitos colaterais de uma decisão sobre aqueles que não participaram dela. Reescrevendo, existe uma externalidade negativa de uma decisão económica, quando há custos para terceiros que não são tomados em conta por quem toma a decisão. Segundo a fonte mais fidedigna nesta matéria, que reporta a um meta-estudo realizado pela universidade de Delft, em Portugal as externalidades negativas do modo rodoviário rondam cerca de 1,5% do PIB, sendo que a maior parcela, cerca de 1%, refere-se ao congestionamento. Este número vai de encontro às estimativas da Comissão Europeia que refere que o congestionamento na Europa acarreta externalidades negativas na ordem de 1% do PIB, que em Portugal rondará cerca de 1,7 mil milhões de euros. Para podermos comparar, o orçamento de estado aloca a todo o ensino superior anualmente cerca de 700 milhões de euros.

Custos externos para um português que conduza 150 km por mês.

A parcela das externalidades negativas associadas ao congestionamento prende-se, essencialmente, mais com o tempo despendido no trânsito, do que propriamente com a ineficiência energética. Quando várias pessoas tentam usar em simultâneo um recurso que é limitado (uma estrada, por exemplo), fazendo com que todos percam muito tempo com esse excesso de procura do recurso limitado, criam-se externalidades negativas para todos, essencialmente na parcela do tempo despendido; pois quando decidi tomar a minha decisão enquanto agente económico, não considerei na minha decisão que prejudicaria financeiramente o outro utilizador do recurso, considerando que em economia tempo é dinheiro.

Mas há muitas outras parcelas das externalidades negativas, que segundo a Comissão Europeia, em Portugal são de maior relevo as emissões de poluentes atmosféricos (0,5 cêntimos de euro por km), as emissões de gases de efeito de estufa (0,7 cêntimos de euro por km), a poluição sonora (0,4 cêntimos de euro por km), a sinistralidade rodoviária (0,3 cêntimos de euro por km) e o desgaste das infraestruturas rodoviárias (0,1 cêntimos de euro por km). Tudo totalizado, considerando ainda o congestionamento (10 cêntimos de euro por km), as externalidades negativas em Portugal rondarão cerca de 15 cêntimos de euro por cada km percorrido de automóvel.

E como resolver o problema?

Obviamente que não há panaceias, mas há formas bem mais eficientes e baratas para o transporte de indivíduos, uma delas é exatamente a bicicleta. Outras formas como a melhoria e promoção dos transportes coletivos de passageiros, essencialmente a ferrovia urbana ou suburbana, ou melhores zonas pedonais, também ajudam a resolver grande parte do problema. A bicicleta é ainda dos meios de transporte mais eficientes que a técnica e o engenho do Homem conceberam, se consideramos energia gasta por passageiro-km, neste caso, energia alimentar considerando que uma quilocaloria equivale a 4184 Joules. Além de ser extremamente eficiente, é muito pouco oneroso, sendo assim socialmente justo pois permite que quer pobres, quer ricos, havendo infraestruturas, possam ter acesso à mobilidade de forma igualitária. Se considerarmos ainda os recursos financeiros alocados por km percorrido, a bicicleta é muito mais barata que o automóvel.

Adotando as duas parcelas económicas anteriormente estabelecidas, políticas de promoção de mobilidade ativa e investimento em transportes coletivos de passageiros, fazem com que as importações de carros e combustíveis decresçam drasticamente, melhorando os indicadores económicos de Portugal na relação com o exterior. E considerando que os meios ativos, não emitem poluentes nem gases com efeito de estufa de relevo (apenas os emitidos pelo corpo humano, como respiração), têm níveis de ruído muito inferiores, são muito mais seguros, e provocam um congestionamento e desgaste das infraestruturas negligenciáveis, pode-se constatar que as externalidades negativas alocadas à bicicleta são perto de zero (adoto a posição conservadora que por norma os meios de transporte nunca trazem externalidades positivas).

É premente então, canalizar recursos públicos, essencialmente nas áreas urbanas e metropolitanas, através de mecanismos fiscais, do automóvel para a melhoria dos sistemas de transportes coletivos de passageiros e para políticas de promoção da adoção dos modos ativos, como bicicleta ou andar a pé.

João Pimentel Ferreira
Engenheiro (IST)
ex-dirigente da MUBi, Associação para a Mobilidade Urbana em Bicicleta

Dos paradoxos humanísticos da eutanásia


Farei uma declaração curta a propósito, visto que o tema deu que falar recentemente nos debates político e parlamentar em Portugal. Ter o estado como assistente na morte, provoca-me, confesso, arrepios, visto que a função de qualquer estado é proteger a vida dos cidadãos. Ter ademais, um médico, que jurou Hipócrates, a usar venenos por meios intravenosos para acabar com a vida de um ser humano, mesmo que num estado de doença incurável e de dor, também, confesso, que me deixa civicamente arrepiado. Além disso, existe hoje em dia uma série de drogas potentes, que resolvem a questão da dor, e que são usadas amiúde em cuidados paliativos. Claro que numa visão economicista, sai sempre mais barato acabar com a vida do paciente respeitando neste caso a sua vontade, visto que o paciente é "irrecuperável". Em relação à questão da dignidade da vida, é dos argumentos mais perigosos e nefastos que podem existir, diria mesmo nazis, considerando a sua subjetividade. Este debate, coincidentemente, surge pouco tempo depois da morte de Stephen Hawkings, a quem lhe foi diagnosticado aos vinte e um anos esclerose lateral amiotrófica, uma das ditas patologias incuráveis e que por retirarem qualquer tipo de mobilidade aos pacientes, são das que conferem aos portadores uma vida de enorme sofrimento e indignidade. Todavia, Hawkings, não só deu contributos notáveis para a Ciência e para a Humanidade, como viveu até aos 76 anos. Mais uma vez, tal como na questão do aborto, não abordo este tema pelo prisma teológico, que acho que não é relevante, mas pelo prisma filosófico e humanístico. Há humanidade em indivíduos com patologias incuráveis e ademais em muitas situações, com o apoio da tecnologia e mesmo com idades avançadas, esses indivíduos estão longe de ser inúteis. Àquilo que se advoga como humanístico e liberal por muitos dos defensores da eutanásia, do aborto ou do controlo populacional no mundo por meios pouco claros, é, na prática, um pragmatismo economicista, demográfico e até eugénico das sociedades ocidentais. Os doentes com patologias raras e incuráveis são um enorme fardo para a família e para os sistemas de saúde, a maioria das mulheres que aborta, pertence às classes sociais mais desfavorecidas ou normalmente são imigrantes, e não é claro que o ocidente não tenha enveredado em processos muito pouco transparentes para impor o controlo populacional nos países menos desenvolvidos, sob o putativo auspício da falta de recursos naturais e do excesso de população mundial. Em suma, por detrás de muito do humanismo que defende a "morte digna", está apenas um pragmatismo económico, eugénico e demográfico, que no fundo, representam a antítese daquilo que podemos denominar por Humanismo.