Por uma questão de Justiça - A análise da prática da advocacia


Existem guerras e querelas constantes entre Marinho Pinto, atual bastonário da ordem dos advogados, e Paula Teixeira da Cruz, atual ministra da Justiça, e tal deve apenas regozijar todos os cidadãos, pois é sinal que a presente ministra está realmente a tomar passos acertados, apesar de ténues. O estado da (in)justiça em Portugal e da impunidade é alarmante, e tal não é apenas uma questão de retórica ou de meros formalismos filosóficos, tal é a prática comum dos nossos tribunais. Nunca ninguém ousou verdadeiramente apontar o dedo a quem quer que seja, e tal entristece-me verdadeiramente. O presente bastonário da ordem dos advogados, Marinho Pinto e todos os intervenientes do espaço judicial vivem constantemente a referir que é necessário acabar com os interesses instalados. Pois Marinho Pinto ao referi-lo constantemente está apenas a apontar o dedo à sua própria classe. Os advogados, por tradição secular e por prática corrente contemporânea são o grande mal que assola a justiça no nosso país.

Devo referir com veemência que não sou anarca, nem tenho nada contra o estado de direito, nem contra as forças da ordem, nem muito menos contra o Direito enquanto ciência que estuda os cânones, os códigos, as constituições e as leis; as dos homens e a dos deuses; no entanto a prática da advocacia provoca injustiças gritantes nos sistemas judiciários contemporâneos. É do senso comum, e isto é também uma conclusão obtida através do raciocínio analítico, que no estado presente, para o mesmo crime, a severidade da pena que o réu sofrerá, é inversamente proporcional ao montante pecuniário que despendeu em honorários com os seus advogados. As leis do mercado ditam que os bons advogados fazem-se caros, e os maus são mais acessíveis, as leis sociais ditam que os ricos têm muito dinheiro, e os pobres têm pouco, concluímos muito facilmente que os ricos ficam com bons advogados e os pobres com os maus. E tal está bem plasmado nas prisões portuguesas, pois os nossos estabelecimentos prisionais estão repletos de pobres e os ricos escasseiam. Que a justiça portuguesa queira ser humana e garantidora, acautelando ao máximo todos os direitos dos cidadãos que se deparam com casos judiciais; que assim seja; mas a justiça portuguesa não pode criar através da sua complexidade legal e das suas redes e malhas oficiais, espaços livres para a especulação de gente ardilosa que nela se move através de expedientes dilatórios, administrativos e burocráticos. E é o que acontece com os advogados.

Direi de uma forma muito plebeia. Se eu for rico, o processo arrasta-se na primeira instância durante dez anos, o meu advogado tem influência para se dirigir aos órgãos de comunicação social, eu recorro até ao tribunal constitucional, cujos custos já são elevados, e o processo prescreve; se eu for pobre, tenho praticamente um processo sumário e sou preso em pouco tempo. Se eu roubo um minimercado à mão armada e levo 200 euros da caixa, dando um murro no empregado de balcão; dada a violência, levo dois anos de cadeia; se eu for ministro ou secretário de estado e roubar dois milhões de euros do erário público, levar 5000 pessoas para o desemprego ou favorecer um amigo em negócios públicos, contrato um bom advogado e o caso prescreve. Dir-me-ão que o que refiro são chavões populares, mas é muito mais que isso, tal é o estado gritante da justiça a que o país chegou; e tal tem um único culpado: os advogados.

Os advogados são a verdadeira fonte de injustiça que assola o nosso país. Imagino, e tal é possível, um sistema judicial sem advogados. Tal não é utópico, é perfeitamente realizável e concebível; e tal seria muito mais justo. O representante só seria autorizado em casos extremos como pessoas que fossem nitidamente incapacitadas intelectualmente como os deficientes de foro mental. Existe um triângulo sacral num tribunal; esse triângulo é constituído pelo magistrado, representante das leis e do estado de direito, homem douto e erudito; existe o réu, aquele que cometeu um crime à luz dos desígnios legais; e a vítima, ou seja a entidade prejudicada com as ações do réu, podendo a vítima ser o Estado. É nesse triângulo sacral, que no meu entender deve ser inviolável, que o fator das condições financeiras do réu e da vítima se imiscua através dos advogados. Que hajam testemunhas, é aceitável, e quem promove a defesa poderão perguntar? A defesa deverá ser promovida pelo próprio réu, em função dos factos presentes pelas entidades judiciais e policiais, assim também deverá proceder a acusação ou a vítima. Ou seja, simplificando, as entidades policiais e judiciais apresentam ao magistrado ou ao coletivo de juízes os factos, e o réu e a vítima argumentam em seu favor em função desses mesmos factos, sendo que posteriormente o magistrado deverá, consoante os factos, consoante os depoimentos de ambas as partes e à luz da lei, julgar.

Neste sistema judicial que idealizo a justiça é completamente gratuita. É gritante e assustador pensarmos que se formos injustiçados, não podemos recorrer gratuitamente à justiça, tendo de pagar aos iníquos dos advogados e ainda ter de pagar taxas judiciais. Sinceramente não consigo conceber um sistema judicial num estado que se diz de direito, em que um cidadão que é severamente injustiçado, tem de pagar honorários a advogados e ainda tem de pagar custas judiciais para fazer com que se reponha a justiça. A justiça é um dos pilares mestres de uma nação, a justiça é quem pune os infratores à lei que o sistema parlamentar concebe, assim sendo a justiça é um garante da democracia e da liberdade dos homens e das mulheres de uma nação, e não pode ser vexada e estuprada por um cartel mafioso que nela se movimenta e espezinha a seu bel-prazer, como faz a classe da advocacia.

É interessante apercebermo-nos de uma certa evolução histórica. Na antiga Grécia era inicialmente proibida a representatividade, sendo que os cidadãos eram obrigados a defenderem-se sozinhos, pelas suas próprias palavras e pelo seu próprio intelecto. Posteriormente a lei grega permitiu que os réus pudessem pedir a ajuda de um amigo que os defendesse, mas era estritamente proibida a prática de quaisquer honorários por parte do amigo. Assim, os primeiros advogados começaram desta forma ordinária na Grécia Antiga a ganhar dinheiro, pois sabe-se que era prática comum já na altura que esses cidadãos defensores cobravam honorários aos supostos amigos, para os defenderem. Oficialmente eram meros cidadãos que ajudavam de borla alguns amigos em dificuldade, mas na realidade faziam disso prática comum, mas de forma clandestina, pois era proibida a profissão de advogado.

Na Roma Antiga, uma lei promulgada em 204 A.C. proibia os advogados de praticar honorários, mas tal lei era largamente incumprida. A proibição de taxas foi banida pelo imperador Claudius que permitiu a prática comum da advocacia na Roma antiga. Na Idade Média foram essencialmente os padres e os bispos que se dedicaram ao estudo das leis, normalmente de índole canónica, sendo que a prática da advocacia era praticamente inexistente. De referir ainda que a profissão de advogado foi abolida na Prússia em 1780 e na França em 1789 dadas as injustiças que os advogados criavam.

Refiro novamente que sou um fervoroso defensor do estado de Direito, do curso e das academias de Direito, prezo muito os juristas, os magistrados e todos os homens que fazem o estudo das leis pelas quais o homem se deve reger, mas sou totalmente contra a prática da advocacia, por uma questão filosófica e por uma questão da prática comum, porque os advogados provocam no sistema judicial uma assimetria gritante entre ricos e pobres. Bem sei que a constituição é bem clara, quando refere que a justiça deve tratar de igual forma ricos e pobres, mas a prática comum prova insistentemente o contrário. As prisões estão cheias de pobres e os ricos saem sempre ilesos ou com penas atenuadas, e tal é uma situação gritante a assustadora; já para não falar que mesmo os pobres que sejam eruditos e conhecedores dos labirínticos e complexos sistemas legais têm ainda de pagar custas judiciais.

Acabem com os advogados e eliminem as custas judiciais.
Faça-se justiça!

5 comentários:

  1. Bom texto, boa capacidade des escrita, mas infelizmente muito pouco realista face ao conteudo que apresenta. Vou apresentar de forma muito simples e clara, duas ou três situações que lhe falhou no raciocinio. Penso que o senhor João Ferreira tem vivido numa época muito especifica em Portugal e que não pode negar a evolução do pais e do estado geral em que se encontra o mundo.
    Varinhas de condão ninguém tem!
    Temos de viver num sistema conforme o construiram.
    Agora pergunto eu, em face ao que expôs no seu texto : Se alguêm inventar uma mentira contra mim para me fazer mal, quem me iria defender em tribunal se acabassem com os advogados?
    Eu não sou entendido em leis nem percebo nada do sistema judicial, sou apenas um engenheiro, como me poderia defender?
    Gostaria agora de perguntar o seguinte, você tem noção de quantas pessoas estão formadas em advocacia que tão a passar fome, não tem trabalho, ou que estão atrás de balcões de atendimento ao público?
    O sistema está feito para os grandes gabinetes de advocacia, todo o cidadão tem direito a um advogado para se defender, e o estado deveria pagar aos adogados que defendem todos os cidadãos, acontece que o estado deve milhões de euros aos advogados, e aqueles que são os chamados de " mais pequenos " que vivem do apoio judicial, como vão viver sem o dinheiro que o estado deveria pagar?
    Penso que você não analisou o problema de forma integra...conheça algumas pessoas formadas em advocacia que estão a passar maus momentos e depois volte a escrever.
    Um bem haja para si...

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    1. Caro Anónimo, perdão pela resposta tardia. Esse é um erro filosófico comum. A sua inocência não depende do conhecimento da Lei. A inocência é um valor absoluto em relação ao que a Lei estipula. Como está o sistema da advocacia desenvolvido desconheço, sei apenas que a justiça tornou-se há muita mais mercantilista que a bolsa de valores, é um mercado, onde quem tem mais capacidades financeiras tem uma justiça mais branda e favorável

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  2. Sou advogado, Brasil, achei o teu texto interessante... Porém é notório que todo teu encadeamento de raciocínio segue uma lógica: os ricos são maus e os pobres são, os ricos são injustos, e os pobres, justos. Praticamente, toda a problemática da relação ESTADO/DIREITO/CIDADÃO foi resumida a "bom/mal", "justo/injusto", e mais, vincula a uma obrigatoriedade ser rico a se dar bem, e ser pobre a ser injustiçado. Posso afirmar, mesmo sendo o Brasil um dos países mais injustos e corruptos do mundo, tal obrigatoriedae não existe, quiçá, algum dia existiu com essa força matemática. Imagino, então, por aí em Portugal, bem menor e menos diverso que por cá... Enfim, em que pese a diferença de realidades, esse argumento "advogado injusto" é um tanto falacioso e superfical. Nos EUA/USA, o advogado é dispensável, mas a pessoa que o faz perde o direito a recorrer - e nao há advocacia gratuita, em geral. E poucos dispensam! Há muito mais, o que faz com a figura do advogado seja essencial, ainda que o sistema, a corrupção, e as circunstâncias - e mesmo a fortuna - permitam injustiças - essas que podem ocorrer para qualquer um.

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    1. Percebeu tudo ao contrário. Não digo que os ricos são maus e os pobres bons ou vice-versa, não faço juízos morais em função de rendimentos.

      Digo apenas que as leis do mercado fazem dos honorários dos bons advogados, valores muito mais altos, que os honorários dos maus advogados. E as leis sociais ditam que os desfavorecidos têm menos dinheiro e os ricos têm mais dinheiro. A restante parte do encadeamento lógico deixo à sua consideração.

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  3. A inocência ou a culpa, são valores absolutos em função dos factos e da Lei, não devem ser conceitos relativos em função dos ardis do argumentário das partes, de expedientes dilatórios ou do conhecimento da complexidade legal. A aplicação da Lei não se deve basear nos mesmos princípios pelos quais se rege a aplicação da "lei dos mercados". Num tribunal o triângulo sacral não deve ser violado: o magistrado, a vítima e o réu! O magistrado sentencia, perante os factos e a Lei, per se.

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