A apologia do "deixa andar"


Muito se poderia dizer da apologia lusitana do "deixa andar". É esta inércia do sol quente que nos deixa prostrados para pouco trabalhar ou pouco produzir. O Filósofo encontra na cultura católica, muita da culpa desta prostração inercial que faz com que os povos do sul não produzam. É inquestionável que o calor torna o ser humano menos produtivo, e é empiricamente atestável que o progresso de uma nação é mais ou menos diretamente proporcional à latitude da sua região geográfica. O calor meus caros, o calor torna os seres menos propenso ao laboro, e mais propensos à folia, à desfruta da natureza, da praia e dos ares salubres do exterior. Tal paradigma, quando bem entendido e enquadrado na dialética, explica de forma cristalina, por que é que os povos do norte da Europa não têm a troica à porta e os povos do sul, a têm. É uma questão psicológica ou talvez mesmo antropológica, que o calor sempre provocou nos seres humanos o bem-estar necessário que lhes confere o conforto que não lhes impele a trabalhar. Já os povos do norte, com temperaturas gélidas no inverno, mais não têm que fazer um esforço estoico para todos juntos enquanto nação resistir às intempéries e aos agrestes períodos sazonais. Não digo, e nunca ousaria dizer, que o homem do sul é menos capaz ou dotado, este tem tantas ou mesmo mais capacidades que os homens boreais, vede a título de exemplo as civilizações clássicas gregas e latinas, que tinham as suas raízes no sul da europa, em Roma, e por exemplo em Atenas, e ambas foram extremamente profícuas na literatura, na matemática e na filosofia. O que sucede, é que com a idade média e posteriormente com a revolução industrial o paradigma alterou-se completamente, sendo que os povos do sul da europa ficaram completamente para trás a nível académico, tecnológico, industrial e económico. Antero de Quental, já avisava quando escrevia “As causas da decadência dos povos peninsulares”. As civilizações clássicas também sempre beneficiaram de prosperidade, porque tinham o mar mediterrâneo como canal para transação de bens e de informação que também provinha do Oriente.

Os povos helénicos e os povos latinos prosperaram nas civilizações clássicas, por que é que então agora são os países do sul os menos evoluídos? Antero de Quental referia como uma das causas da nossa decadência a Contra-Reforma levada a cabo pelos Jesuítas. Outros historiadores referem a expulsão dos judeus a título de exemplo pelo Decreto de Alhambra. Já no século XX, em Portugal particularmente, é evidente que o Estado Novo foi um período de retrocesso civilizacional, quando comparávamos Portugal com os restantes estado europeus. O que é evidente para mim, enquanto pensador livre, é que a ortodoxia religiosa católica, levou à decadência dos povos do sul. Não digo com isto que seja anticlerical, pois não o sou e posso referir a título de exemplo que sou contra o aborto e contra o casamento entre homossexuais. Mas não o nego, que a ortodoxia católica em torno de mitos e lendas (como as nossas senhoras e santos similares) levou à prostração e à inércia dos povos do sul. Os povos do sul, subjugados ao culto católico, são inativos por excelência, estão sempre esperançados que um raio divino venha dos céus, conduzido pelo arcanjo Gabriel, e os remova a todos da miséria e do ostracismo. Já com a Reforma dos povos do norte, a redenção é feita através do trabalho (trabalho, esforço e mérito que Antero de Quental reiteradamente evocava no seu livro). Também Voltaire referia no seu Cândido que o trabalho evitava três grandes males: o vício, o tédio e a necessidade. Ora o que não faltam são vícios aos povos do sul, desde o tabaco ao futebol, e para falar da necessidade, bem haveria muito por dizer.

Conclui-se apenas que o calor do sul da Europa não é de todo a única razão para a inércia dos povos do sul. Os grandes poetas e os grandes filósofos eram do sul, latinos ou helénicos, mas os grandes matemáticos e os grandes físicos, eram do norte, alemães, holandeses ou nórdicos. O calor imiscua-nos a sensação, o ímpeto sensorial de sermos animais primários, por várias razões. Uma delas é o facto de os machos verem as fêmeas mais despidas, do que o normal, incutindo-lhes assim os sentimentos mais viscerais, que quando conjugados com uma inteligência literata do espírito, faz com que concebam as obras mais fulgurantes e magnas da Poesia. O calor faz os seres humanos andarem com menos indumentária e por conseguinte, os sentimos lascivos tornam-se mais evidentes. Uma segunda razão é o facto de o calor ser um convite ao festim, ao bem-estar com a natureza, ao convívio, e por conseguinte, onde há convívio e festins, e havendo naturalmente seres humanos de géneros diferentes, haverão sempre momentos mais libidinosos e lascivos. Se conjugarmos a estes festins, pequenos momentos de serenidade intelectual propensos à escrita, e uma inteligência e espírito esplendorosos, concebem-se assim as grandes obras da literatura. Pois a arte literária é somente a conjugação da inteligência com a besta que há em cada um, a grafia é somente o canal.

Mas como já referi, os povos clássicos eram do sul e prosperaram. Mas os povos clássicos eram também debochados e entregavam-se sem pundonor aos prazeres da carne. Os romanos ritualizavam-no com festins báquicos magnos, e os gregos eram pederastas natos, ou seja, o sangue quente com a consequente lascívia era-lhes visceral, mas no entanto não deixavam de prosperar nas ciências, no direito, na retórica, na filosofia, na matemática ou nas atividades económicas. O que é certo, é que o deboche excessivo e a inoperância (uma das hipóteses) levaram à decadência dos povos clássicos, tendo-lhes seguido a era Cristã. A era Cristã impôs então aos povos do sul, a antítese do que havia sido até então, ou seja, uma doutrina moral severa e claustral, com a respetiva clausura nos ditames morais no que concerne ao sexo, á nudez e aos bons costumes. Não que o plebeu comum ficasse mais filantrópico para com o seu semelhante, ou mais caridoso para com o próximo, pelo contrário, até porque é comum nos povos do sul, e até meritório, não pagar impostos, estacionar em cima do passeio ou até atirar papeis para o chão; mas os bons costumes da nudez, da virgindade e das questões veniais ficaram acauteladas com a doutrina católica ortodoxa. Quero deixar bem vincado que isto não é um repto nietzschiano anticlerical, até porque respeito veementemente a doutrina cristã dos evangelhos e do bem ao próximo. O que critico sim, é o que essa crendice excessiva criou na inércia do povo, que espera sempre que venha Nossa Senhora de Fátima salvá-lo dos males, ou então porque não El-rei D. Sebastião.

E remetendo-me á epígrafe do tema, o “deixa andar” ou “deixa estar” é não mais que a tradução literal para a língua portuguesa de um sucesso de uma banda inglesa no princípio dos anos 70, cujo título original da música era “Let it be”. Deixo-vos aqui a letra para perceberem o quão inercial é, e quanta prostração nos transmite.

When I find myself in times of trouble, mother Mary comes to me
speaking words of wisdom, let it be
and in my hour of darkness she is standing right in front of me
speaking words of wisdom, let it be
let it be, let it be, let it be, let it be
whisper words of wisdom, let it be
And when the broken hearted people living in the world agree
there will be an answer, let it be
for though they may be parted, there is still a chance that they will see
there will be an answer, let it be
let it be, let it be, let it be, let it be
let it be, let it be, let it be, let it be
whisper words of wisdom, let it be

Percebem então, como à luz do espírito católico ortodoxo que é bem vincado nos povos do sul, nada é preciso fazer, pois a Virgem Maria faz tudo e haverá sempre uma resposta sábia e divina, e se haverá, então apregoemos o espírito do “deixa andar” ou melhor dizendo “let it be”.

Para o Filósofo não há ideais nem partidos, a seiva que o alimenta é a Verdade.

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