Nova barragem do Foz Tua evitará o equivalente a meio ano de carros em Lisboa


Barragem convencional
As contas são simples e não são deveras difíceis. A nova barragem do Foz Tua, que entrará em serviço em 2015, e que se enquadra no plano nacional de barragens instituído pelo governo socialista de Sócrates, evitará que se emitam para a atmosfera o mesmo que emitem os carros na entrada e saída de Lisboa, durante meio ano.

As barragens, e particularmente esta, têm uma série de conhecidas desvantagens a nível ecológico pois destroem alguma biodiversidade que existe no caudal dos rios que é contínuo, substituindo-os por uma enorme albufeira normalmente mais pobre no que concerne à biodiversidade. As barragens também provocam a erosão costeira pois evitam que os detritos que vêm dos rios se acamem na orla costeira, pois impede-os de prosseguir o seu normal trajeto a jusante da barragem. Este plano nacional de barragens terá também, matematicamente falando, um ganho energético nulo, pois o que as barragens farão, essencialmente será utilizar a energia que as eólicas produzem durante a noite, para bombear a água a montante, para durante o dia utilizar essa água para a produção elétrica. Como este processo tem perdas e um rendimento total de cerca de 75%, e juntamente com o que as barragens produziriam por si só através das chuvas e do leito dos rios, a montante das mesmas, as barragens terão um ganho energético nulo.

Mas falar em ganho energético nulo, não é ser-se sério, pois o que na realidade as barragens farão, é funcionar como baterias gigantescas de eletricidade, zero-emissões e sem quaisquer químicos, que carregarão a energia eólica que é produzida durante a noite que até agora era desaproveitada ou enviada para Espanha a custo zero, e aproveitarão essa energia carregada durante a noite, para ser consumida durante o dia. Assim as barragens terão um papel fundamental no aproveitamento ecológico e energético do vento.

Neste sentido as barragens farão com que o país fique mais soberano energeticamente e ajudar-nos-ão a cumprir as metas de Quioto. Tudo isto tem um preço, como é evidente e será um grande negócio para as empresas hidroelétricas pois receberão do estado comparticipações tarifárias que já estão contratualizadas que fará com que a nossa eletricidade fique mais cara, tornando assim as despesas das famílias mais elevadas, e tornando a economia menos competitiva. As barragens, segundo tenho lido não trazem também um grande desenvolvimento das regiões onde se implantam, pois normalmente não empregam muitos trabalhadores, sendo que a autarquia recebe uma renda dos produtores, mas que segundo alguns, essa renda é irrisória. No entanto há casos concretos em que a albufeira da barragem é usada para turismo, como desportos recreativos de foro náutico, ou mesmo subaquático como mergulho e criam-se ainda também maiores zonas de praias fluviais. A água da albufeira das barragens também pode servir para a agricultura.

Remetendo-me agora à epígrafe da questão, como é que a barragem do Foz Tua evitará que se emitam o equivalente a meio ano de carros em Lisboa? As contas são simples: Lisboa tem uma média aproximada de 700 mil carros a entrar e sair diariamente do centro da cidade. A média de emissões de C02 no parque automóvel em Portugal é de cerca de 130g C02/km. Se consideramos um percurso médio de um carro a entrar em Lisboa de cerca de 15km para cada sentido, podemos concluir que:

700.000 carros/dia * 130 g C02/km/carro = 91 t C02/km/dia (total de carros em Lisboa)
91 t C02/km/dia * 2 * 15 km (in and out de Lx) = 2,73 kt C02/dia
A barragem do Foz Tua evitará, segundo um estudo da edp, que se emitam 470 kt C02/ano
470 kt C02 / 2,73 kt C02/dia = 172 dias, que é aproximadamente 6 meses = 1/2 ano

Os cálculos que aqui estão envolvem algumas aproximações, mas pode-se constatar claramente na ordem de grandeza das emissões que a barragem evitará. Considerando os prós e os contras, eu pessoalmente, só posso estar em favor do plano nacional de barragens, por questões de soberania energética do país, por questões económicas e também como foi demonstrado, por questões ambientais no que concerne às emissões de C02 que tanto desregulam o clima no planeta. Mas tal, creio que não impediria também, de uma forma muito mais assertiva, que apostássemos numa melhor eficiência energética, particularmente no campo dos transportes, apostando numa melhor rede de transportes públicos, na melhoria das condições para a mobilidade suave e num melhor planeamento urbanístico.

4 comentários:

  1. Até que enfim alguém que fala como deve de ser.
    Nos plenários dos foruns só se houve não ás barragens e ao plano nacional hidrico, parem a barragem de foz tua, etc...
    É preciso exactamente isso, uma análise fria do assunto, e na realidade a energia das eólicas é subaproveitada, pois ao contrário do que se pensa a energia eléctrica não é armazenada em "pilhas" (baterias) mas sim consumida instantâneamente, e por picos, sendo que de dia temos necessáriamente um maior consumo que de noite. Daí ser extremamente inteligente utilizar a produção de energia desperdiçada das eólicas para bombar água de retorno para as albufeiras, e utiliza-la eficazmente nos periodos em que é necessário (de dia).
    Pode ser que com isto se reduza a quantidade de energia que andamos a comprar aos nossos alegados parceiros Europeis, tais como espanha, França e Alemanha, que exportam a energia mais barata da europa (nuclear) ao preço que lhes interessa.

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  2. Rebatendo os pontos invocados:
    - biodiversidade: apesar de invocada não lhe é dado nenhum peso na sua avaliação. As alterações climáticas sobrepõem-se neste e demais projectos ao valor (também económico) do património natural;
    - erosão costeira: bem mencionada, é um problema grave, e com despesas anuais significativas, e nunca cobradas, pelo menos em parte, às ditas barragens (ou promotores);
    - armazenamento de energia eólica: faz todo o sentido a solução, mas além da capacidade suficiente existente nas albufeiras actuais (2500 MW a curto prazo), existem soluções mais inteligentes e económicas a entrar em funcionamento no curto/médio prazo que irão torná-la esta opção obsoleta dados os seus custos superiores (gestão mais eficiente da procura com preços de electricidade horários, melhor ligação de redes com o resto da Europa, carros eléctricos);
    - armazenamento de água: face à expectável redução dos níveis de precipitação devido às alterações climáticas, soluções de menor escala (mini-hidricas, reservatórios) podem ser equacionadas. No entanto este não é um dos propósito principais do projecto dadas as especificidade da agricultura regional.
    - ganho económico para o país: se não fossem os contratos de rentabilidade garantida (na forma de PPPs) prometidos pelo Governo, estas barragens nunca seriam construídas. E como refere, deve existir um investimento mais assertivo (e primeiro que tudo) em eficiência energética. Mas quem beneficia com isso? A EDP, o lobby eólico, e construtoras associadas é que não. O mesmo investimento em eficiência energética poderia poupar bastante mais energia.

    - por último, desmistificando a questão principal da equivalência a metade do tráfego de entrada em Lisboa:
    De acordo com os dados da EDP, uma produção “líquida” anual de 275 GWh da barragem de Foz Tua equivale à redução da emissão de 470kt CO2. Isto equivale a dizer-se que o GWh emitiria na sua produção cerca de 1,7kT de CO2. Tendo em conta que as centrais mais poluentes (carvão) emitem cerca de 1kT CO2/GWh (http://bit.ly/q82aCc), estamos a falar de números muito sobrestimados. Depois temos todos os impactos associados a libertação de metano (gás de efeito de estufa bem pior) pela mais que provável eutrofização das águas da albufeira.
    Só para ter uma noção, 275GWh correspondem a 0,5% do total de electricidade consumido em Portugal em 2011 (50.511 GWh). E sendo em Portugal as emissões totais da produção de electricidade similares às dos transportes, a barragem de Foz Tua seria “equivalente” a menos 0,5% de emissões no sector dos transportes (o que já não soa tão bem como o “meio ano de carros em Lisboa”).
    Para não me alongar, já nem falo das injustiças regionais existentes face ao dito benefício nacional (ou será das grandes empresas), e dos inúmeros episódios “vergonhosos” que envolveram todo o processo de aprovação.
    Espero ter contribuído para o debate informado.
    Cumprimentos.

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    1. Caro Nuno Pereira

      Muito obrigado pelo seu comentário construtivo e racional em relação a estas matérias. Em relação à eutrofização das águas da albufeira, não sou de todo perito, mas também não nos adiantou com quantos gramas de metano ou outros gases com efeito de estufa serão emitidos para a atmosfera pela albufeira.

      Em relação ao valor supostamente excessivo dos dados avançados pela edp no que concerne às emissões de C02 que a barragem Foz Tua evitará, poderão não ser os mais corretos, mas por certo que o meio ano de carros em Lisboa é uma boa ordem de grandeza para se avaliar o impacto deste género de reduções. Mesmo se fosse só um mês de carros em Lisboa, já seria positivo.

      0,5% por uma barragem pode não ser significativo, mas já em 2005 (dados da UE) as hídricas representavam já 10% de toda a produção elétrica nacional, ou seja, grão a grão...

      De referir ainda que em anos de seca (como este) as albufeiras são ótimos reservatórios de água doce, vitais para muitas populações do interior. Vede o caso recente de Bragança onde a autarquia/Prot.Civil teve que fretar camiões cisterna para ir buscar água à albufeira mais próxima para alimentar a rede de água de Bragança. Obviamente que uma barragem não resolve um problema muito mais sistémico a nível nacional que é a desertificação populacional do interior do país.

      Refere ainda alguns aspetos interessantes no início do seu comentário, que confesso que não tenho números para contestar, mas continuo a achar que estas questões têm de ser analisadas num contexto global, e avaliadas globalmente. Finalizo relembrando que as barragens são uma fonte de energia renovável...

      Cumprimentos e obrigado

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  3. Obrigado pela resposta.
    Os pontos mencionados (e são apenas alguns) não valem isolados, mas valem pelo conjunto (a tal análise global), e esse peso conjunto é que me parece ter pendido para o lado errado.
    Comentando os pontos:
    - quanto à eutrofização não sou perito na área, mas tal já é considerado em alguns estudos sobre barragens, o que parece não ser o caso aqui (não vejo nada no EIA, separadamente ou no cálculo das emissões). Seria sobretudo importante ser efectuada a análise pelo facto deste rio ser de caudais sazonais, e esta massa de água estar sujeita a elevada estagnação além do rio ter elevada poluição orgânica.
    - quanto à energia hídrica, penso que 2005 foi um ano mto seco. Esta representou em média nos últimos anos cerca de 20% da produção eléctrica - mais números na DGGE. E claro que existe sempre mais potencial hídrico por explorar, mas é necessária a tal avaliação global e transparente.
    - relativamente à avaliação global, penso que tal não foi feito relativamente ao PNBEPH, e nesta barragem em particular, em que foram mascarados interesses económicos particulares em detrimento do bem comum/público. Prova é o fraquíssimo peso dado à dimensão ambiental e social (2 dos três pilares do desenvolvimento sustentável) no documento base do PNBEPH.
    Cumprimentos

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