Ferrovia ou rodovia, o que é melhor para Portugal e para a Europa


Tem-se debatido muito sobre, se Portugal e os restantes países europeus, devem ou não reinvestir na ferrovia em comparação com os investimentos substanciais que se fizeram nas últimas décadas em rodovia, e muito particularmente em autoestradas. Demonstro seguidamente que na generalidade, e muito particularmente para o caso de Portugal, a opção ferroviária é amplamente muito mais benéfica que a vertente rodoviária. Abordarei os temas da Economia, Eficiência energética, Ambiente, Ordenamento do território e Segurança. Em cada um destes tópicos, a opção ferroviária é substancialmente muito mais benéfica que a vertente rodoviária.

Economia 

Abordo neste capítulo, meramente questões económicas, considerando que a economia é parte integrante e presente no debate político da atualidade; ou seja, neste capítulo, não menciono quaisquer vantagens ambientais ou energéticas, características que amiúde são atribuídas à ferrovia. Reparemos assim que em 2013, quase 60% da eletricidade consumida no país foi de fontes renováveis, isto é, através de fontes endógenas. Não me refiro aqui a questões ambientais, mas estritamente económicas no benefício que estas fontes têm na nossa balança de pagamentos e na diminuição da nossa dependência energética em relação ao exterior.

Já o modo rodoviário, onde quase a totalidade dos seus meios de transporte se movem a derivados do petróleo, promove largamente a nossa dependência energética em combustíveis fósseis. A título de exemplo, em 2010, as maiores importações (cerca de 15%) foram combustíveis, representando só esta parcela, cerca de 9,5 mil milhões de euros, um valor superior ao que o país paga anualmente de juros, superior ao que nos custa a todos a Escola pública ou o SNS e superior também ao valor que teve o "buraco" do BPN. Não é de estranhar então, que a Direção Geral de Energia e Geologia refira que em 2012, mais de 1/3 da energia que o país gastou, foi nos transportes, ou seja, derivados do petróleo, visto que 99,9% dos transportes em Portugal locomovem-se usando derivados do petróleo.

Conclui-se assim que o modo rodoviário provoca em Portugal elevada dependência energética, criando na nossa balança comercial no que concerne à parcela dos combustíveis, elevadíssimos défices financeiros, fazendo com que as famílias e as empresas aloquem muitos recursos do país para o exterior, agravando-se por conseguinte o défice da balança de pagamentos e o aumento da dívida externa.

Cerca de 60% da eletricidade produzida em Portugal, é de fontes renováveis endógenas.
Na realidade Portugal, no domínio da eletricidade, tem um saldo importador de apenas 5%. Fonte: APREN



35,7% da energia que Portugal consome está nos transportes, onde 99,9% desses transportes se movem a derivados do petróleo, quase na totalidade importados. Fonte: Direção Geral de Energia e Geologia

Eficiência energética

Quando perguntamos a alguém o que pensa sobre eficiência energética, imediatamente pensa-se em lâmpadas LED, máquinas de lavar de categoria A, ou mesmo no isolamento do edificado; mas raramente se concilia eficiência energética com transportes, ou quando alguém o faz, é para debater questões completamente menores e secundárias, como a qualidade dos pneus dos automóveis ou o tipo de condução, fatores que têm ganhos residuais. Uma condução moderada, por exemplo, tem ganhos de eficiência energética na ordem dos 20%. Outras fontes apontam ganhos de eficiência até 30% para certo tipo de condução moderada. Mas o comboio não tem ganhos de 30%, mas de 1900%, visto que o comboio é, em média e para taxas de ocupação similares, 20 vezes mais eficiente que o automóvel, considerando energia gasta por passageiro-quilómetro, podendo esse rácio chegar a 60 em alguns casos, consoante as taxas de ocupação do comboio. Além de ser bastante mais eficiente, ou seja, gastar em média 20 vezes menos calorias (ou Joules) para transportar um passageiro ao longo de um quilómetro, a energia que consome é na sua grande maioria endógena, pois consome eletricidade que o país vai produzindo através das centrais hídricas ou eólicas, por exemplo.

Esta comparação é possível de se efetuar, pois segundo a CP-Comboios de Portugal, a taxa média de ocupação da CP-Lisboa em 2011 foi de 21,7%, o que equivale a 396 passageiro/comboio. Já a velocidade comercial média dos comboios regulares de passageiros da CP-Lisboa é de 44,64 km/h, o que não fica atrás da velocidade média urbana dos automóveis. Também sabemos através da CP-Portugal que o consumo médio das suas motoras rondará cerca de 8,5 kwh/km. Considerando que os comboios da CP-Lisboa tiveram uma ocupação média de 396 passageiros por comboio, obtém-se um consumo médio final para o sistema ferroviário na região de Lisboa de 21,5 wh/(km-pax). O carro mais vendido em Portugal é o Renault Clio que tem um consumo misto médio de cerca de 6 litros/100km. Considerando uma taxa de conversão, bem conhecida da engenharia, de que um litro de gasolina equivale aproximadamente a 8826 wh, e que a taxa média de ocupação para viagens pendulares do automóvel é de cerca de 1,2 passageiros/carro, fica-se com um consumo médio para o automóvel de 441,3 wh/(km-pax), 20 vezes mais.

Os ganhos de eficiência energética são similares para o binómio transporte de carga através de camiões TIR vs ferrovia, quando analisamos os consumos energéticos por kg-km. Ao ser energeticamente muito mais eficiente, a opção ferroviária deveria por conseguinte ser a preferida da classe política, porque diminuiria consideravelmente a nossa dependência energética. Ademais, a energia que consome é na sua maioria endógena, pois consome eletricidade, ao contrário do automóvel, cujos combustíveis líquidos para locomoção têm fontes que são na totalidade importadas.

O comboio é 20 vezes mais eficiente que o automóvel,
quando se analisam os consumos energéticos por passageiro-quilómetro.

Já de acordo com esta fonte, que não analisa apenas o caso português, o comboio, em média tem ganhos de eficiência energética,cerca de 9 vezes superiores ao automóvel. Ou seja, ganhos de eficiência na ordem dos 700%.

Ambiente

A locomoção do material circulante do modo ferroviário é também muito menos poluente que o modo rodoviário, pois emite muito menos Gases com Efeito de Estufa (CO2 por exemplo) não emitindo ainda muitos outros gases que são extremamente severos para a saúde dos seres humanos como hidrocarbonetos, monóxido de carbono (CO), óxido de nitrogénio (NOx), partículas em suspensão e óxido sulfúrico (SOx), gases esses emitidos pelos veículos com motor de combustão interna, que representam praticamente a totalidade do nosso sistema rodoviário. Os relatórios da Agência Portuguesa do Ambiente referem que vários pontos do país têm índices demasiado elevados de poluentes, índices esses que são prejudiciais para a saúde das pessoas, sendo que os poluentes são quase na totalidade emitidos pelos escapes dos veículos motorizados.

O material circulante do modo ferroviário emite muito menos poluentes pois o motor que os locomove é quase sempre elétrico, sendo que já grande parte da eletricidade consumida no país provem de fontes renováveis. Além disso, esses poluentes que o modo ferroviário emite, emite-os na fonte de produção da energia, ou seja, nas centrais onde a densidade populacional é muito menor, em comparação com os meios urbanos onde os automóveis por norma se deslocam.


Ordenamento do território

A via ferroviária ocupa 4 vezes menos espaço por pessoa/kg transportado que a equivalente rodoviária, logo é uma opção muito mais benéfica do ponto de vista do impacto urbanístico e do planeamento urbano. São precisas três vias de um determinado tamanho para mover 40 mil pessoas através de uma ponte em uma hora fazendo-se uso do comboio, quatro vias para movê-las em autocarro e doze vias para movê-las em automóveis. Tal justifica-se simplesmente porque o modo ferroviário permite muito maior capacidade de fluxo de passageiros ou de carga, ao longo de uma via, em comparação com o modo rodoviário.

Tal está relacionado com a fluidez do tráfego rodoviário, que além de não ser contínuo, pois tem quase sempre um "efeito de acordeão", também exige muito espaço entre os veículos, por questões de segurança. Ou seja, não só nas estradas rodoviárias é necessário manter uma determinada distância de segurança em relação ao automóvel da frente, distância essa que aumenta com a velocidade, como qualquer evento num determinado ponto da via rodoviária, como uma paragem ou uma desobstrução, apenas se repercute noutros pontos da via, passado algum tempo, criando inércia na fluidez. Tal faz do modo rodoviário um meio com pouca fluidez média, quando analisamos a quantidade de passageiros que podem ser transportados por unidade de tempo e por unidade de largura de via. Já no modo ferroviário, apesar de ser obviamente também necessária uma distância de segurança entre as diversas composições, mas pelo facto do material circulante estar todo fisicamente interligado, desde as motoras às carruagens reboque, e pelo facto dos veículos ferroviários por unidade de superfície, terem um elevado número de lugares para passageiros em comparação com o automóvel, tal concede à ferrovia uma das mais altas fluidezes para transporte de passageiros, ou seja, tecnicamente, uma elevada capacidades de corredor.

Repara-se ainda, que no caso rodoviário, à medida que se tenta aumentar a fluidez pelo aumento da velocidade média dos automóveis, tal cria problemas suplementares, pois além de aumentar o risco de eventos que criarão inércia e atrasos, com o aumento da velocidade aumenta a distância de segurança, que por sua vez reduz a fluidez. Por exemplo na Holanda, que tem das maiores densidades populacionais da Europa e onde todas as autoestradas são gratuitas, os especialistas concluíram que a velocidade máxima ou recomendável para maximizar a fluidez nas autoestradas seria 110 km/h. Já no modo ferroviário, apesar de haver distâncias de segurança, a velocidade influi menos na fluidez visto que as composições por estarem fisicamente interligadas são sempre compactas e não obedecem ao "efeito de acordeão".

Assim, para questões de ordenamento do território, onde se encontra um autoestrada com três vias em cada sentido, poderia simplesmente estar uma via férrea com duplo sentido, ocupando lateralmente, muito menos espaço. Esta opção fica assim mais barata em terrenos povoados, pois exige menos expropriações e tem menor efeito de barreira nas diversas povoações por onde passa essa via. Em caso de viaduto, ponte ou túnel, a opção ferroviária é também mais barata devido aos fatores anteriormente apresentados.

Apresenta-se a capacidade de corredor em passageiros por segundo.metro; isto é, o número máximo de passageiros que podem atravessar, em média, por segundo e por metro de largura de via. Fontes: WPChanging Course in Urban Transport. Robin Hickman, Paul Fremer, Manfred Breithaupt, Sharad Saxena. 

Segundo o estudo mencionado na figura o modo ferroviário tradicional permite uma capacidade de transporte de pessoas por hora, numa via com largura de 3,5 metros, 50 vezes superior ao automóvel.

Segurança

De acordo com as fontes da Comissão Europeia e da Agência Europeia de Ferrovia, o rácio de sinistralidade entre o modo rodoviário e ferroviário é tal, que dita que o transporte de passageiros por ferrovia é cerca de 30 vezes mais seguro que o transporte de passageiros por rodovia. Os estudos em apreço fazem uma análise tendo em conta fatores endógenos, mas também exógenos ao próprio meio e modo de transporte, como por exemplo atropelamentos de peões ou acidentes em passagens de nível. Considerando todos esses dados e fazendo uma análise quer abrangente e global, quer detalhada e metódica, da segurança dos modos em causa, pode-se afirmar, tendo em conta as fontes oficiais, que para o transporte de passageiros na União Europeia, o modo ferroviário é cerca de trinta vezes mais seguro que o modo rodoviário.


O modo ferroviário é cerca de 30 vezes mais seguro que o modo rodoviário
quando analisamos o número de fatalidades por passageiro-km.

Conclusões para Portugal

O comboio só não é mais competitivo em Portugal, devido aos investimentos astronómicos que o país realizou em autoestradas. Compare-se a título de exemplo a autoestrada A8, onde o estado gastou milhares de milhões desde os anos noventa (sem crédito, dinheiro injetado diretamente proveniente do Orçamento de Estado) e onde chega a ter três vias quase sem tráfego perto da zona da Nazaré; com a correspondente linha ferroviária do oeste, um linha que data de 1873 que está hoje praticamente ao abandono, que nunca foi eletrificada, e que o governo chegou a pretender encerrar porque não teria passageiros suficientes. Como haveria de ter passageiros suficientes se o serviço é paupérrimo e a linha está decrépita. Ora vejamos este simples exemplo: na CP, entre Lisboa e Leiria, a viagem custa cerca de €20 e dura praticamente 3 horas e meia (03h29m para ser mais preciso). Na rede Expresso, que faz uso da autoestrada, a mesma viagem Lisboa-Leiria demora 1h45m e custa €12,20. Pela via rodoviária, demora-se metade do tempo, e custa aproximadamente metade.

O binómio do investimento ferrovia/rodovia é um caso paradigmático de uma opção estratégica de mobilidade completamente desastrosa. Enquanto para a rodovia durante anos os custos saíam quase sempre diretamente do Orçamento Geral do Estado (por norma através das Estradas de Portugal), para os transportes públicos e ferrovia, os diversos governos, e particularmente o então Primeiro-Ministro José Sócrates, deram instruções para as empresas respetivas endividarem-se junto da banca  comercial (REFER, Metro Sul do Tejo, Metro do Porto, Metro de Lisboa, Carris, STCP). É de estranhar agora, que os economistas da nossa praça culpabilizem os transportes públicos por as empresas terem um enorme passivo para os contribuintes; que rondava segundo a troika à data da assinatura do Memorando de Entendimento, cerca de 17 mil milhões de euros. Veja-se este exemplo que a CP - Comboios de Portugal pagava na altura,  cerca de 120 milhões de euros por ano em salários, pagando todavia 160 milhões apenas em juros.

O gráfico seguinte, que faz referência ao número de quilómetros de autoestrada por quilómetros de ferrovia, é paradigmático, no contexto europeu, das opções estratégicas no campo da mobilidade, completamente desastrosas que foram implementadas em Portugal nas últimas décadas. Embora correlação não implique causalidade, demonstro noutro artigo a correlação forte que existe, entre baixa taxa de motorização e elevado crescimento económico.

Fonte: Eurostat, dados de 2015 (ou os mais recentes quando não existe 2015). Dados para AE na Grécia do NationMaster (Eurostat não os tem). Chipre e Malta não foram incluídos, por serem pequenos estados insulares. Gráfico retirado do blogue menos1carro.

Já os gráficos seguintes foram extraídos do blogue a Nossa Terrinha, e são também explícitos nesta matéria, ou seja, no desequilíbrio financeiro que existe em Portugal no binómio investimento público em rodovia vs ferrovia.





Assim sendo, é premente mudar completamente o paradigma no campo da mobilidade em Portugal, e na Europa, fazendo uma transição gradual do modo rodoviário para o modo ferroviário. Por questões de Economia, Eficiência energética, Ambiente, Ordenamento do território e Segurança. Em todos estes tópicos, o modo ferroviário obtém substanciais vantagens quando comparado com o modo rodoviário.

João Pimentel Ferreira
Eng. Eletrotécnico (IST)

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