Casa ou carro, quais os direitos fundamentais?


É do senso comum para qualquer cidadão que a posse de uma casa, é muito mais fundamental que a posse de um automóvel. Uma habitação providencia-nos elementos e serviços elementares de humanidade como abrigo das intempéries, um leito para dormir, higiene para nos mantermos saudáveis ou um local para convivermos com a família ou com os amigos. Há pessoas que não possuem casa própria, todavia alugam-na tendo ao seu dispor os mesmo serviços atrás mencionados. O acesso à mobilidade é também um direito fundamental e inalienável, todavia o automóvel é apenas uma das dezenas de meios de transporte que a técnica e o engenho do Homem concebeu para a deslocação de pessoas entre dois pontos díspares geograficamente. É por isso natural que nos impressiona muito mais sabermos que alguém é sem-abrigo, do que sabermos que alguém não tem automóvel particular.

Um governante, um estadista ou um legislador, deve ter bem presentes estas premissas sobre o que é ou não é fundamental, para assim poder legislar e orientar a máquina fiscal em conformidade. Considerando ainda que em Portugal se debate tanto a Reforma do Estado, ou sobre o que o Estado deve essencialmente providenciar aos seus cidadãos, considerando que o mesmo tem cada vez menos recursos financeiros para se sustentar nos moldes atuais, interessa então fazermos uma análise do que têm sido os regimes fiscais na dualidade entre a habitação e o automóvel.

Mas qual é o referencial para se saber o que é ou não fundamental na dicotomia entre a habitação e o automóvel à falta de consenso? Um bom referencial é a Constituição da República Portuguesa, onde está bem plasmado no n.º 1 do art.º 65.º que "todos têm direito, para si e para a sua família, a uma habitação de dimensão adequada, em condições de higiene e conforto e que preserve a intimidade pessoal e a privacidade familiar". Em nenhuma passagem da Constituição, ao longo dos seus 296 artigos, a palavra automóvel ou carro, é mencionada. Seria lógico então deduzir que o legislador através do poder executivo, como também através dos dirigentes municipais, canalizasse a coleta fiscal mais para o automóvel e menos para a habitação. 

Da propriedade

Em Portugal há praticamente o mesmo número de alojamentos ocupados que há de automóveis, cerca de 4 milhões de unidades, havendo todavia em acréscimo cerca de 1,8 milhões de casas vazias segundo apontam os dados do INE. Analisados os impostos que taxam diretamente e apenas a propriedade de cada um desses bens, a habitação e o automóvel, os resultados são todavia antagónicos ao que seria expectável, de acordo com as prioridades anteriormente estabelecidas sobre o que é ou não fundamental.


Da compra ou transmissão do bem

Quando alguém compra um carro novo paga em acréscimo ao IVA, outro imposto denominado Imposto Sobre Veículos (ISV). Quando alguém vende ou compra uma casa, paga um imposto denominado Imposto Municipal sobre Transmissões Onerosas (IMT). No programa de ajustamento financeiro assinado com a troika, o governo comprometeu-se a extinguir o IMT, mas não a reduzir a taxação sobre a habitação no cômputo geral, pelo contrário, a taxação do IMT deveria canalizar-se para o IMI. Todavia apesar do decréscimo da receita fiscal do IMT, em 2013 o IMT ainda rendeu aos cofres públicos cerca de 390 milhões de euros, e em 2007 tinha rendido mais de 900 milhões de euros. Por outro lado o ISV em 2010, antes da crise do setor automóvel, tinha receitas na ordem dos 580 milhões de euros, inferiores aos 900 milhões de euros do IMT em 2007. De referir ainda que quando alguém vende uma casa deve pagar mais-valias em sede de IRS, o mesmo não acontecendo quando alguém vende um carro em segunda mão, pois o ISV paga-se apenas para carros novos.


Da utilização

A contabilidade das receitas fiscais referentes à utilização de cada um dos bens é mais complexa de estabelecer pois na maioria dos casos não tem fiscalidade autónoma. Sabe-se que a carga fiscal representa cerca de 59% do preço ao consumidor na gasolina e 47% no gasóleo (IVA mais ISP), mas quem habita num alojamento também paga cerca de 30% de impostos apenas na fatura de eletricidade (IVA à taxa máxima e outros impostos), pagando ainda impostos sobre água, gás e taxas municipais como recolha de lixo ou ainda taxas audiovisuais.

Conclusão

Embora a Lei Fundamental estabeleça claramente que o direito à habitação é bem mais fundamental que o direito à posse de viatura particular, a tributação fiscal não tem em conta tais normativos constitucionais; pelo contrário, a máquina fiscal aparenta ter mais voragem pela habitação, mesmo que própria e permanente, que tem pelas viaturas particulares. Em acréscimo, o Estado tem gasto por ano cerca de 2 mil milhões de euros na empresa Estradas de Portugal e na manutenção de rodovias municipais, sendo que o país coloca todos os anos no estrangeiro cerca de 10 mil milhões de euros em importações de carros e combustíveis, que são contabilizados como défice na nossa balança de pagamentos.

Destes dados concretos, conclui-se que para o fiscalista "ter casa é um luxo, ter carro é um direito"!

2 comentários:

  1. Eu penso e repenso nestas coisas e fico cada vez mais boquiaberto. O IMI é um imposto super injusto! Que gastos tem o Estado em eu ter uma casa? Já paguei, no preço que pago pela habitação, o terreno, os obreiros, os materiais, as canalizações e muito mais. Quanto muito no IMI estou a pagar os passeios junto à porta do prédio, que a autarquia tem que realizar. Já para saciar o automóvel o Estado gasta milhares de milhões por ano em autoestradas, itinerários, estradas nacionais e municipais, mas o Estado é muito mais brando na coleta fiscal ao automóvel, do que é à habitação. Totalmente injusto e incompreensível.

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