As taxas hoteleiras de Lisboa serão inconstitucionais?


Os argumentários dos membros da Câmara Municipal de Lisboa para justificar uma nova taxa hoteleira na cidade, estão repletos de sofismas, e eventualmente são duplamente inconstitucionais. Analisemos por pontos.

O que é uma taxa?

Uma taxa é uma contribuição pecuniária consignada e obrigatória, a troco da prestação de um serviço público. Ou seja, aquilo que os constitucionalistas definem como contrapartida. Por exemplo, as taxas de saneamento básico. Pagamo-las porque usufruímos de uma rede de esgotos providenciadas pela autarquia, e só pagam quem desse serviço usufrui, como por exemplo as pessoas com habitação. Uma portagem é uma taxa, para por exemplo, fazer o atravessamento de uma ponte ou de uma estrada. Ninguém paga a portagem da ponte Vasco da Gama, se não nela atravessar. É essa a diferença entre taxa e imposto. Uma taxa é consignada e tem um retorno direto, um imposto não. Quando pagamos IRS ou IVA ao Estado, nada nos garante que esse dinheiro reverta diretamente em nosso benefício, e muitas vezes tal não acontece. Se uma pessoa tiver altos rendimentos salariais, pagará mais impostos em sede de IRS, que servirão para auxiliar pessoas mais desfavorecidas. Mas um rico e um pobre, pagam o mesmo valor de portagem quando atravessam a ponte 25 de abril, ou quando compram um bilhete de comboio. Essa é grande diferença entre taxa e imposto. Enquanto as autarquias podem criar taxas, impostos só a Assembleia da República tem legitimidade para estabelecer.

Porque poderá ser a taxa hoteleira duplamente inconstitucional?

A autarquia de Lisboa como contrapartida à dita taxa hoteleira, refere que fará uma série de obras no concelho, como a requalificação do Campo das Cebolas ou a construção de um centro de congressos. Ora, não há nenhuma relação direta, entre o pagador da dita taxa, e o usufrutuário do serviço público. Teremos milhares de turistas que pagarão a taxa, sem que vão ao Campo das Cebolas ou que usufruam do novo centro de congressos. Seria como obrigar alguém a pagar uma portagem, mesmo sem atravessar a ponte. Significa que muito provavelmente, não estamos perante uma taxa, mas um imposto disfarçado, e impostos só a Assembleia da República pode criar.

Em acréscimo, um dirigente da autarquia de Lisboa refere, de forma sofista, que "o argumento fundamental que permite a criação desta taxa é simples: os serviços que a Câmara presta aos turistas são os mesmos que presta a todos os cidadãos" acrescentando ainda que a contrapartida é o "encargo assumido pelo município no que respeita à intensidade do desgaste proporcionado pelo turismo ao nível das infraestruturas". Neste caso estamos perante outra inconstitucionalidade, pois viola-se no meu entender, parece-me, o princípio da igualdade. As taxas podem ser diferenciadas em função do desgaste e uso do serviço público em causa, por exemplo numa autoestrada os pesados pagam mais que os ligeiros, e as taxas de saneamento básico dependem do tipo de habitação que cada um tem, que em princípio tenderá a depender do uso desses mesmos serviços de saneamento. Há países como na Suíça, em que as taxas da recolha de lixo, usando um sistema de cartão eletrónico e balanças nos repositórios, dependem da quantidade de lixo que cada agregado familiar produz. Na Noruega, a taxa audiovisual é em função do número de televisores que cada habitação tem. Mas essas taxas em princípio nunca podem ser discriminadas em função do local de residência ou nacionalidade. Esta putativa taxa ao imputar apenas aos turistas - aos estrangeiros, no sentido grego que as pólis tinham na Antiguidade - o financiamento das ditas obras locais, viola, parece-me, o princípio da igualdade e da não discriminação em função do território de origem, de acordo com o n.º 2 do art.º 13.º da Constituição.

Por recurso ao absurdo

Poderemos ter o caso, de um cidadão do Porto que visite a cidade de Lisboa de comboio, estar a pagar através da susposta taxa, o parque de estacionamento do Campo das Cebolas, sem que nunca o utilize; mas que esse mesmo parque, seja usufruído diariamente por vários lisboetas que trazem o carro para o centro, e que nunca pagarão a dita taxa.

Outro caso mais interessante e até caricato é do turista que chega de autocaravana e se desloque pela cidade nas avenidas, poluindo, causando ruído, congestionamento e detriorando as estradas, estacionando-a numa zona não taxada, não consumindo ainda nos restaurantes porque traz mantimentos. Esse turista que não dá qualquer retorno à cidade na economia local, não deixando um cêntimo na cidade durante a sua estadia, tendo apenas criado custos, fica isento. Um turista que chegue de comboio e vá dormir a um hotel, gerando emprego e receita fiscal quer na CP quer no ramo hoteleiro, que ande de transportes públicos, ajudando a receita das empresas, além do que já deixou na cidade em termos financeiros, ainda paga de extra essa suposta taxa.

1 comentário:

  1. Excelente artigo! Mais um esquema para sacar dinheiro ao turista-contribuinte! Temos muitos turistas em Lisboa? Sim! Mas este ardil legal para sacar mais dinheiro é típico dos socialistas. Não conseguem fazer a coisa pela via da Lei? Esta "taxa", pelo exposto e muito agradecido pelo esclarecimento jurídico-fiscal, é claramente um imposto disfarçado, e o TC, sempre tão expedito a berrar contra a violação do princípio da igualdade, não bufa? Essa cambada de ociosos funcionários públicos disfarçada de juízes e homens da lei, não bufa? Ou será que o princípio da igualdade em tudo o que não seja cortar "rendimentos" ao setor público, parafraseando um famigerado taxista, é como as meninas virgens? Querem sacar mais ao turismo? Façam as coisas como deve ser num Estado de Direito: aumentem por exemplo o IVA na hotelaria! Porque motivo o IVA na hotelaria é de 6% ao nível do pão? País de merda, de esquemas e expedientes, do zé mexilhão ao político graúdo!

    ResponderEliminar