OE 2016 é positivo para a economia


Muito se tem falado da justeza sobre as medidas plasmadas no Orçamento de Estado para 2016. Apesar de considerar que o PS, historicamente, é um partido com governos perdulários e despesistas, tendo em grande medida contribuido para os diversos resgates do país, devo referir que pela primeira vez em vários anos, considero as medidas constantes neste Orçamento de Estado, económica, social e fiscalmente muito justas e sapientes.

Medidas com saldo orçamental positivo

De seguida mostra-se o gráfico com as medidas de maior relevo que trazem ganhos orçamentais, de acordo com o plasmado no Orçamento de Estado para 2016.  Ou seja, falamos de medidas que têm saldo orçamental positivo, significando que, ou representam mais carga fiscal ou corte de despesa. Estas medidas representam cerca de 1,52 mil milhões de euros.

Medidas com saldo orçamental positivo.
Gráfico de Pedro Romano.

O lado direito a laranja, faz referência a redução de despesas com alguma difícil aplicabilidade, pois além de terem um grau de imprevisibilidade muito grande, encontram por norma bastante oposição interna nos diversos organismos públicos. Mas se nos cingirmos apenas ao lado verde do gráfico, ou seja, ao aumento da receita fiscal, podemos referir que os impostos sobre os combustíveis representam cerca de metade do aumento da receita fiscal.

Medidas com saldo orçamental negativo

O seguinte gráfico mostra todavia as medidas orçamentais com saldo orçamental negativo, ou seja, aquelas que, ou baixam a carga fiscal, ou aumentam a despesa pública. Estas medidas representam cerca de 1,45 mil milhões de euros.

Medidas com saldo orçamental negativo.
Gráfico de Pedro Romano
.

Reparemos que a eliminação da sobretaxa de IRS e a reposição salarial na função pública, representam a grande parcela do aumento da despesa pública em relação ao ano anterior. 

Factos orçamentais

Independentemente de fazermos uma análise global, podemos fazer uma análise quase moral e mais de senso comum a este Orçamento de Estado, com referência aos factos nele plasmados e aos princípios constitucionais onde se enquadram mesmo os direitos humanos. Este Orçamento de Estado não aumenta a taxação de trabalho, casa, pensões, saúde, apoios sociais, eletricidade ou água canalizada. Referir que este Orçamento de Estado aumenta pelo contrário impostos indiretos, é uma forma pouco transparente, e diria até, intelectualmente desonesta, de distorcer a benignidade das medidas orçamentais. Este Orçamento de Estado aumenta a taxação sobre produtos e serviços muito particulares, e eles são automóveis e combustíveis, tabaco, álcool e serviços bancários, mormente crédito ao consumo. De referir que não menos importante é o facto de este Orçamento de Estado cumprir as regras do Tratado Orçamental impostas pela Comissão Europeia.

Tese

Alguém que receba o Salário Mínimo Nacional terá por exemplo um aumento líquido de rendimentos de cerca de 50€ por mês, 600€ por ano. Basta que no cômputo geral os impostos sobre a compra e utilização de um automóvel subam anualmente cerca de 600€, para que o eventual automóvel que esse cidadão iria comprar, ou usar mais frequentemente, gerando o tal problema do crescimento pela via do consumo (de bens essencialmente importados), tenha um aumento de um mês de trabalho desse cidadão contribuinte, ou o equivalente ao aumento total que esse trabalhador recebeu num ano. Por isso, se bem calibradas as medidas, considerando que a economia é um sistema dinâmico, não é linear que o aumento do consumo não possa gerar crescimento económico sustentável, se o acréscimo da taxação incidir essencialmente em bens importados. 

Importações de Portugal de bens em euros. Fonte: INE.
Entre 1/5 e 1/4 das importações de bens, são carros mais combustíveis.

Portugal tem uma dependência energética acentuada, que se situa essencialmente
na parcela dos transportes, ou seja, faz referência a veículos que usam combustíveis fósseis.
O aumento do ISP estimula a diminuição desta dependência.

Muitos analistas criticam mesmo estas medidas orçamentais, por serem regressivas, na medida que o aumento dos impostos indiretos não tem em consideração a capacidade contributiva do contribuinte. Em primeiro lugar, deve-se referir que a capacidade contributiva do contribuinte deve apenas ser considerada em impostos que incidem sobre bens ou produtos fundamentais, como a casa ou o trabalho. Por isso, o IRS é progressivo e não regressivo, e também por isso muitas famílias carenciadas não pagam IMI. O segundo erro dessa análise é que a regressividade da carga fiscal não é igual para todos os impostos indiretos. O IVA é claramente um imposto regressivo na medida que afeta a todos por igual em valor nominal, independentemente do estrato social a que o contribuinte pertença. Mas não é o caso do ISP. Ora analisemos os seguintes gráficos.

Apenas cerca de 61,5% das pessoas em Portugal, as com maiores rendimentos, usa o automóvel para movimentos pendulares, logo, apenas sobre 6 em cada 10 trabalhadores, é que vai incidir, de facto, o aumento do ISP.

Existe uma relação quase linear entre posse de automóvel e rendimentos,
refutando a tese da regressividade do ISP. Quem não tem automóvel não paga qualquer ISP.

No quintil das famílias com menores rendimentos, ou seja, o primeiro quinto de famílias em função do rendimento, apenas 46%, ou seja, menos de metade, tem automóvel. Já todavia no quintil das pessoas com maiores rendimentos, 90% tem automóvel. Logo, a noção generalizada, de que o automóvel é o transporte do povo ou o transporte dos trabalhadores, é desmentida pela estatística oficial, que nos demonstra, que na realidade existe uma relação direta entre rendimentos e posse de automóvel. Não só a estatística do INE nos refere que, no cômputo geral, apenas 7 em cada 10 famílias tem carro, como também nos refere que no caso do primeiro quinto de famílias com menores rendimentos, apenas metade tem carro. O outro gráfico do INE indica-nos que, dos movimentos pendulares (movimentos casa-trabalho-casa), apenas 61,5% são efetuados fazendo-se uso de automóvel, o que significa que apenas cerca de 6 em cada 10 trabalhadores, é que vai sentir de facto o aumento do ISP.

Corolário

O ISP é um imposto, de facto e não de jure, progressivo, porque a probabilidade de um indivíduo ter e usar um automóvel, aumenta com os rendimentos do seu agregado familiar.

Conclusão

O aumento dos impostos sobre produtos petrolíferos (ISP) para compensar a devolução de rendimentos disponíveis para os trabalhadores e para as famílias, não só é justo, como há muito tempo que é desejável, quer do ponto de vista de justiça social, quer do ponto de vista económico. É esse o caminho, de natureza fiscal e macroeconómica, que Portugal terá de adotar doravante. Em acréscimo este modelo expansionista parece-me economicamente sustentável, porque aumenta os rendimentos disponíveis das famílias com menores rendimentos, taxando produtos e bens, que; ou são severos para a saúde pública, não esquecendo que o SNS gasta milhões de euros todos os anos a tratar enfermidades relacionadas com álcool ou tabaco; ou são na totalidade importados, como automóveis e combustíveis, não esquecendo que estes bens no total têm representado entre 1/5 e 1/4 das importações de bens de Portugal.

A Economia é um sistema dinâmico e não linear. Este tipo de medidas, contribuem, mesmo que de forma ténue, para alterar positivamente o paradigma da economia portuguesa ao devolverem rendimentos à custa da taxação de bens que são nefastos para a economia portuguesa, do ponto de vista macroeconómico com relação ao défice externo. Muitos consumidores talvez deixem de usar o automóvel e com a respetiva poupança talvez adquiram mais produtos nacionais, diminuindo o défice externo. Com o aumento do ISV, talvez os portugueses adiem a compra de carro novo, e aumentem os níveis de poupança que sempre tiveram rácios muito baixos. Também como consequência do aumento do ISP, e com a desejável redução do consumo de combustíveis, talvez a dependência energética do país se altere, com o aumento da repartição modal alocada a outros meios de transporte mais eficientes e económica e ambientalmente sustentáveis. Veremos como decorrerá 2016!

4 comentários:

  1. Há tantas leituras possíveis. Uma é que os funcionários públicos são os grandes vencedores, recuperam os vencimentos que Sócrates aumentou criminalmente em 2009, quando não tínhamos economia para isso, e para esses, esse aumento compensa o facto de fumarem, andarem de carro, comprarem carro ou terem de recorrer à banca.
    Já o sector privado, foi completamente esfolado, num país com uma economia moribunda. Não é problema, teremos mais empreenderores que tentarão a sorte noutro país, mais engenheiros a comprarem bilhete só de ida para a Alemanha, e ficamos com os funconários públicos a respirarem um ar mais agradável.
    A menos que me digam que o trabalho na função pública vai levantar a economia de uma forma nunca vista.

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    1. Concordo com grande parte do que dizes, mas de salientar que um dos grandes problemas do défice externo, está realmente nos automóveis e combustíveis, cuja taxação este OE aumenta. Um pequeno aumento do consumo interno, mormente para pessoas com rendimentos baixos (o que acabou por não se verificar totalmente pois os cortes na FP tinham sido apenas para quem auferisse mais de 1500 euros por mês), não é linear que não contribua para um crescimento sustentável sem agravamento do défice externo.

      Mas concordo que a reposição dos salários na FP foi uma medida imprudente, pois além de ser muito dinheiro, essa reposição foi para pessoas que estão nos últimos dois decis de rendimentos. Mas era uma medida que se exigia apenas por motivos políticos, mais especificamente devido a promessas eleitorais e a compromissos com os partidos de esquerda. E na Política, as decisões, para o bem e para o mal, não se resumem a números.

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  2. Chamaram-me a atenção para o seu texto como "prova" que o ISP era progressivo. Mas permita-me fazer um reparo: para demonstrar a progressividade de um imposto face ao rendimento é necessário considerar a que proporção do rendimento afecta ao consumo de combustíveis é crescente com o rendimento. Não chega mostrar que o valor (absoluto) da despesa é crescente com o rendimento.

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    1. Boa tarde.

      1 - Em primeiro lugar nestas matérias é necessário distinguir questões de jure e questões de facto. Nas questões de jure, como bem deixa a entender, qualquer imposto indireto é um imposto regressivo, mas nem sempre assim o é nas questões de facto.

      2 - Como vê pelos dados acima e pelas informações aqui constantes fornecidas pelo INE, há cerca de 30% dos agregados familiares que não tem carro, logo, em cerca de 1/3 dos agregados familiares o encargo com o ISP em percentagem dos rendimentos é igual a 0%. Em acréscimo, como constata no gráfico acima, os mais pobres têm menos carros, em média, que os mais ricos.

      3 - Também suponho que os mais ricos façam mais uso do automóvel, fazendo com que o que paguem de ISP seja maior, considerando que há muita gente que usa o automóvel apenas nos fins-de-semana. Mas concordo que é difícil aferir se esse acréscimo representa também um acréscimo em percentagem dos rendimentos.

      4 - Conclui-se que uma análise detalhada como deixa a entender, não é possível realizar, por falta de dados, pois não sabemos ao certo quanto gasta cada contribuinte em ISP, em função do quintil de rendimentos. De resto, o IRS nesse sentido é mais justo na progressividade visto que é igual para cada agregado, não sendo necessário fazer análises estatísticas gerais.

      5 - Mas podemos teorizar, que em média, e de facto, o ISP é um imposto progressivo, pois tal como plasmado no corolário, a probabilidade de um indivíduo ter e usar um automóvel, aumenta com os rendimentos do seu agregado familiar, sendo que essa progressividade na probabilidade de posse de automóvel em função do quintil rendimentos, é superior à própria progressividade dos rendimentos.

      Cumprimentos

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