Lisboa Participa | O delírio dos lugares de estacionamento...


Av. Visconde Valbom, Lisboa, uma pequena artéria em Lisboa
com 4 vias para estacionamento, 2 para trânsito e passeios esguios,
Imagens Google
Apesar de ser um fervoroso defensor da Democracia, considero tal como Platão, que por vezes é preciso alguma maturidade intelectual para se poder exercer o direito de voto. Com isto não quero de todo tornar o ato do voto elitista ou cingi-lo a uma determinada classe, até porque grande percentagem da população já nem vota por opção própria, mas considero que um dos grandes males da democracia populista, que é a que temos, é que medidas fáceis e imediatas que dão votos, são sempre evocadas pela grande maioria da classe política.

É aqui que entra o delírio do estacionamento nas nossas cidades no campo da administração local. A EMEL (Empresa Municipal de Estacionamento de Lisboa) que já gastou milhões de euros em estacionamento, planeia gastar mais uns tantos milhões nos próximos anos com estacionamento na cidade. Para o Campo das Cebolas, um amontoado de latas neste momento, a autarquia pretende construir um silo para automóveis. A empresa municipal apresentou ainda um plano para expansão de área à superfície, e anuncia parques para, além do Campo das Cebolas, Rego, Mercado de Arroios, Alto dos Moinhos e ainda mantém o silo no Corpo Santo. O mesmo já foi pensado para o Príncipe Real e já foi ainda instalado um na Calçada do Combro a mando do pior autarca nacional de todos os tempos, Santana Lopes, sempre entregue às demagogias das necessidades de algo tão "fundamental e sacral" como o automóvel. Irá avante o silo para estacionamento para o Largo do Corpo Santo, no Cais do Sodré, contra a vontade da maioria dos moradores. E isto tudo surge da notícia que refere que a EMEL vai investir até 2013 mais de 33 milhões de euros em estacionamento. Nunca se consegue alimentar este "monstro" mesmo que presentemente a EMEL já conte com 21 parques de estacionamento em Lisboa, mais os vários milhares de lugares na via pública. Aliás, uma pesquisa crua, por um portal turístico, dá conta de 177 parques de estacionamento em Lisboa, fora os lugares na via pública. Se considerarmos que Portugal está no terceiro lugar da UE com mais carros por habitante, com cerca de 570 automóveis por 1000 habitantes, vê-se claramente que nem que se invista metade do Orçamento Geral do Estado em estacionamento, conseguiremos "alimentar o monstro"!

E é neste delírio, que uma parte considerável das 33 propostas aceites para o Orçamento Participativo de Lisboa 2012/2013 de valor igual ou inferior a 500.000€ e superior a 150.000€, na categoria de Infraestruturas Viárias, Trânsito e Mobilidade, pedem que se faça um "Estudo e implementação de lugares de estacionamento" nas ditas freguesia. Aliás, feita uma análise uma-a-uma contei as propostas 154, 140, 132, 124, 113, 105 e 97 como fazendo todas um apelo para mais estacionamento em Lisboa. Mas estes senhores não percebem que além de ser irracional, um parque de estacionamento na cidade nunca custa menos de 1 milhão de euros, sendo que as propostas não podem ultrapassar os 500 mil euros? Sou bastante favorável ao projeto de "Lisboa Participa" da vereação de António Costa, pois sempre achei que a cidadania não se resume ao ato eleitoral que se procede de quatro em quatro anos. A cidadania, desde a Grécia clássica, é a participação ativa nos desígnios da polis, e este projeto é meritório. Todavia, a democracia também pode ser perigosa, quando se vão atrás de populismos fáceis e demagogos, e esta sacralização do automóvel nas nossas cidades, com imensas e nefastas consequências para a saúde, economia e qualidade de vida dos munícipes, pode ter desenvolvimentos devastadores a longo prazo para a cidade. Numa cidade onde entram 700 mil carros por dia, onde o espaço que 700 mil carros ocupam, é aproximadamente igual ao da freguesia dos Olivais, a maior de Lisboa, começa a ser perigoso aceitar propostas para votação onde se pede mais estacionamento.

Os munícipes lisboetas, têm de compreender que a morfologia urbanística de Lisboa, não está concebida para comportar tantos veículos. Lisboa não foi uma cidade que se fez de raiz, como as cidades americanas, ou como Brasília. E além de ser uma cidade bem antiga, não teve reformas urbanísticas estruturais, como teve por exemplo Paris no século XIX com o Prefeito Georges-Eugène Haussmann, quando se demoliu a parte velha da cidade, para construir grandes e largas avenidas. Lisboa é bela e é antiga, das tabernas e das tascas do fado, com as suas ruas esguias e os seus becos labirínticos, com os seus arcos e as suas escadinhas e ruelas. A parte antiga de Lisboa foi concebida num tempo onde nem haviam carros. Já o aborto urbano chamado "Avenidas Novas" foi concebido num ataque claro aos interesses dos peões numa imitação bacoca das cidades do novo mundo. Há zonas na av, da República onde são alocadas 15 vias para os automóveis.

Exige-se mais racionalidade aos munícipes e maior espírito coletivo. Não é vergonha nenhuma não ter carro, andar de transportes públicos ou de bicicleta. Enquanto não findarmos com este estatuto sacral do automóvel, que é transversal na sociedade, desde o plebeu ao deputado, num país sem recursos energéticos endógenos e sem indústria automóvel própria, dificilmente recuperaremos a pujança económica tão essencial para que ultrapassemos as dificuldades. E os autarcas têm de ser os primeiros a dar o passo em frente!

2 comentários:

  1. Excelente trabalho, mas muito longo.....

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  2. 5 parágrafos, muito longo!?
    Nunca leu os livros do Miguel Sousa Tavares, com certeza...

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