Do imperialismo e da questão liberal


Um dos erros comuns por parte de uma grande fatia da população que opina politicamente, é considerar que nos estados unidos da américa, é que se aplica os ideais da liberdade, tendo por conseguinte plasmados políticas económicas liberais. Tentarei argumentar todavia que tal não corresponde à verdade.

Um dos motivos pelo qual muitos ideólogos teorizam que nos estados unidos da américa se aplica um modelo económico liberal, é porque o estado tem tendência a estar pouco presente na economia, tendo por conseguinte margem de manobra orçamental para baixar a carga fiscal. Todavia a carga fiscal nos estados unidos no cômputo geral, não é por sinal muito mais baixa que na Europa, sendo que por exemplo o congénere ao IRS pode chegar aos 56 por cento, considerando impostos federais e estaduais sobre rendimento de pessoas singulares. O congénere ao IVA rondará os 11 por cento. Apesar de este valor ser em média mais baixo que a média na Europa, não nos podemos esquecer que muitos produtos e serviços na Europa têm também IVAs bem mais reduzidos, sendo que Portugal não pode ser dado como exemplo devido à enorme carga fiscal que surgiu com as políticas de ajustamento orçamental.

A diferença fundamental no meu entender, que muitos europeus aparentam desconsiderar, é que os estados unidos guarda uma larga fatia do orçamento de estado para a parte militar, mais precisamente cerca de 20 por cento do total do orçamento federal, enquanto que uma larga fatia dos orçamentos de estado dos países da Europa, vão para suster o estado social, entidade praticamente inexistente ou muito reduzida nos estados unidos da américa. Nesse país o trabalhador tem de pagar ainda do seu bolso a sua saúde, a sua pensão ou mesmo as mensalidades de um eventual seguro contra desemprego. Como em tempos citou o próprio Martin Luther King num discurso contra a guerra no Vietname, os estados unidos gastavam mais dinheiro por um rebelde abatido, do que pela saúde de um americano.

Chamar liberal ao modelo económico americano, é por conseguinte uma falácia político-filosófica. Noutro tópico sobre o qual tenho muito refletido, e sobre o qual muito tenho lido, a mobilidade, constata-se mais uma vez que os estados unidos estão longe de ter uma visão liberal da sociedade. É dito, em abstrato, que qualquer cidadão pode ter acesso a um automóvel, mas de facto, há milhões de pobres que não têm direito a um, e as estatísticas mostram que os transportes coletivos de passageiros, principalmente entre cidades, são apenas usados pelos mais pobres. As cidades norte-americanas foram assim desenhadas, obedecendo a um paradigma muito bem definido de hegemonia económica do automóvel, onde a grande fatia do espaço público foi atribuído àqueles que tinham condições financeiras para suster as despesas inerentes do carro. Estamos mais uma vez perante uma enorme contradição no modelo liberal de sociedade, que dita, que a liberdade do indivíduo não deve ser restrita, nem pelo Estado, nem pelos outros. O indivíduo americano enquanto peão, de facto, tem as suas liberdades individuais de movimento no espaço público, largamente limitadas pela imposição de um modelo económico imperialista, baseado no sistema petrodólar e na indústria automóvel.

Em acréscimo o imperialismo colide várias vezes com a própria noção de individualismo, pois as agências de investigação dos estados unidos, sob o pretexto do combate ao terrorismo, tomam medidas restritivas à liberdade individual e de controlo de dados de cidadãos, medidas que seriam equiparáveis aos modelos de controlo da população usados pela união soviética. Por detrás de uma capa liberal, as políticas norte-americanas obedecem de facto, não a um modelo liberal da sociedade, em que as liberdades individuais dos cidadãos são respeitadas, mas a um modelo imperialista de hegemonia do mundo. E tal está bem presente na distribuição de recursos pelo mundo, demonstrando que de facto, os estados unidos não respeitam a liberdade dos outros povos nos acessos aos recursos, visto que representam cinco por cento da população que consome todavia vinte por cento dos recursos do planeta. O modelo económico americano, assim como a sua política externa, estão longe de serem liberais no sentido etimológico do termo, na medida que se prima pela liberdade máxima do indivíduo. Esses modelos têm como objetivo primário, não qualquer modelo social em concreto, mas apenas a hegemonia militar e económica, ou seja imperialista, sobre os outros povos do mundo.

Sem comentários:

Enviar um comentário