Entre a harmonia do ser e a diáspora do estar


Sempre me questionei sobre a origem da duplicidade da forma de ser ou estar. Se as línguas boreais fornecem apenas um verbo para os dois estados de espírito, já as línguas Românicas normalmente estabelecem dois verbos como forma de distinguir o contexto em que o individuo se encontra. Por vezes questiono-me sobre a razão de tal distinção, ou de tal união verbal entre os estados de espírito distintos. Entre ser e estar, entre estar e ser. Será que sou onde estou? Será que me identifico com o local onde estou? Será que estou com quem sou? Estarei onde sou? Ou serei onde estou? É que a harmonia interior proclamada pelos povos do norte, une o ser e o estar. É o reencontro, é a felicidade, é a paz interior, é a serpente que se une com a haste, lembrando a cura tão difundida pictoricamente nos símbolos das farmácias. É o encontro salubre entre o ser e o estar, entre os nossos dipolos interiores, entre os nossos lados antagónicos que se opõem. Quando nos encontramos, quando unimos estes dois lados, encontramos a harmonia e contemplamos a felicidade e a liberdade. Rejeitamos a dor e a angústia quando somos onde estamos.

Já as línguas Românicas, com fortes traços equatorias de sufismos do sul, e de semitismos do
deserto, guarda da diáspora a distinção entre o ser e o estar. Povos viajantes, que caminharam pelo mundo à descoberta do desconhecido, por vezes têm de guardar as raízes culturais e religiosas, não sendo onde estão. Guardar os traços culturais originais, quando se viaja por locais e nações distantes. É distinguir o ser e o estar. É não ser onde se está, pois o ser está no local de nascimento e por vezes estamos longe de nos encontrarmos. Por isso viajamos, procuramos algo mais que vai além do local que nos viu nascer. É não estarmos onde somos.
As línguas ditas Românicas, provêm como é clarividente do latim, daí o título de Românicas, mas devido às fortes influências sufistas do sul, guardam fortes traços semitas. Serão as batalhas entre o homem e a mulher? E numa viajem a Itália pude constatar de forma clarividente as fortes influências, embora subliminares, de islamismos sufistas. Quando em muitas línguas latinas as palavras começam com H; no italiano foi de certa forma proscrito o H do início de tantas palavras do quotidiano. Os palácios e os palacetes, as igrejas que embora católicas, com a cruz, que sempre fielmente obedeceram aos princípios de Roma, guardam na arquitectura e na forma certos traços de paragens arabizantes. E em Veneza é que tais factos são bem mais que evidentes. Uma cidade onde por certo se difere o ser do estar. Onde mercadores transportavam bens do oriente, de todo o mediterrâneo, para as paragens Europeias. Para os sufistas do norte, ser difere de estar, já para os boreais do sul, ser é estar, pois ao se reencontrar, o ser encontra a paz e a harmonia e perscruta os traços da liberdade. Pois se for onde estiver, e se estando, for quem fui, encontro a paz e o equilíbrio interior tão pacificamente evocado pelos arianos budistas.
Sou quem fui
Fugi, deixei de ser
Vim para me perder
Sou o ser que flúi
Estou, não sendo
Viajo pelo mar azul
Vejo do Norte, os mares do Sul
Estou vivendo
Estou e sou
Sou quem sou
Estou, sou, ou
Sou o ser que voou
Que navegou
Que passeou
E deixou de ser onde está
Vi a harmonia viajante
Se viajo, ser pensante

E sem viajar,
sou para me encontrar

Sem comentários:

Enviar um comentário