A pérfida caixa mágica



Noite de 24 de Abril de 1974, as forças ditas revolucionárias sequiosas de poder institucional, erguendo as bandeiras da democracia e da liberdade, tomam de assalto os estúdios da RTP. Na rádio ouve-se a música libertina que deu o sinal aos revoltosos, hoje provavelmente devido à invasão cultural que o nosso país sofreu, ao sinal de umas ritmadas de Britney Spears os capitães invadiriam o parlamento e tomariam de assalto os estúdios da televisão. Processo democrático angolano, forças oposicionistas combatem pelo poder, o bastião prioritário de ambas as facções é por certo, e mais que evidente às lides tribais a estação de televisão nacional de Angola. Tomada do parlamento de São Petersburgo em 1917, revolução vermelha de Outubro; como na altura as mentes brilhantes que criaram a caixa mágica em que os fotões impulsionados por forças enormes colidem com o painel sensorial que nos é visível; ainda não se tinham lembrado de conceber tal façanha tecnológica, a tomada do parlamento russo por certo deu-se em sincronismo com a tomada de todos os órgãos mediáticos entre os quais a rádio. Em todas as revoluções a tomada do núcleo central que comanda as pérfidas e hipnotizantes caixas mágicas que temos nos nossos lares, foi sempre uma tarefa de alta prioridade. A tomada da rádio, da televisão, havia que controlar o núcleo que emprenha com ideias pérfidas e opressores, as mentes dos cidadãos. A pérfida TV, duas letras que abreviam a caixa que revolucionou o mundo e que nada de novo e de bom trouxe ao mundo. E passo a expor a minha opinião.
Muito mais liberal é a rede, aquela a que a plebe inculta e aduladora da cultura estrangeira denomina de net, é mais liberal, é mais interactiva, é mais pessoal, é mais moderna, a rede propaga-se em informação muito mais transversal e muito mais importante ainda, informação multi-direccional, vagueia a informação do mero utilizador até ao servidor, como pode vaguear, ou ser direccionada do servidor ao utilizador. Obviamente que trouxe um pouco da pérfida e opressora TV, o centralismo dos servidores internacionais que monopolizam e controlam grande parte da rede, mas trouxe algo que a TV nunca soube oferecer aos cidadãos, trouxe cidadania interactiva, trouxe internacionalização, a simples cliques podemos ver sítios chineses, americanos, timorenses ou vietnamitas, a TV muito mais pérfida e sequiosa de audiências prefere buscar as tragédias que marcam as notícias do plano internacional sempre dispostas a procurar audiência, que no fundo é esta que lhe trará os louros da publicidade e do respectivo lucro. Mais pérfido ficou o espectro audiovisual português com o advento da televisão privada. Na procura incessante da audiência procurava-se no jornal da noite, com o pano de fundo e sob uma capa ténue e pouco esclarecedora de “informação”, chocar o mais possível o telespectador, pois as sensações primárias são sempre aquelas que mais cativam. A pérfida, monopolizadora, e hipnotizante TV.
As forças legisladoras, por muito estranho que pareça, nunca colocaram quaisquer tipo de entraves a esta força pérfida que é a TV, nunca se opuseram a tais ilegalidades do foro moral e ético, por seu lado compactuaram com estas, pois receberam da TV sempre a publicidade que lhes conviera. A TV, é autista, um núcleo duro e implacável controla as ondas electromagnéticas que vagueia na atmosfera e que é recebida em todos os nossos lares da forma mais pérfida e infiltrada. Pois a TV é isso mesmo, infiltrante. Nós não convidamos qualquer um a entrar no nosso lar, quando recebemos alguém à porta, desconfiamos sempre, questionamos, pomos o pé atrás com o receio de sermos vandalizados na nossa privacidade, mas a TV tem e teve sempre o livre passe para se imiscuir na nossa integralidade moral, sempre se entranhou nos nossos lares com a sua doutrina opressora, sob uma capa de entretimento.
O legislador faz fortes reparos contra a pirataria, e tal é caricato, pois por vezes é ténue a fronteira entre pirataria e sentido de liberdade, pois por vezes o pirata é aquele que navega livremente sobre os mares sem se restringir a quaisquer leis elaboradas por homens. O legislador concebe leis que punem a pirataria e nunca o legislador colocou quaisquer tipos de leis que restringissem o poder enorme da TV. A TV é a forma mais óbvia de pirataria. Não é a pirataria, naquele sentido lato, não mais que a cópia desautorizada de um conteúdo? Não é a pirataria a forma mais perversa de cópia de uma entidade? A TV é isso mesmo, a pérfida e incontrolável reprodução de um conteúdo programático. Um senhor qualquer produz algo num estúdio, e os milhões de labregos cordeirinhos observam e absorvem o que fora feito por uma única entidade. Quando mais um labrego, num dado instante do tempo, liga o aparelho televisor, é apenas mais uma cópia directa, mais uma cópia do conteúdo que antes tinha sido elaborado. Onde está o direito de autor pelo facto de esse individuo ter ligado a TV?
Um tubo de raios catódicos, quatro placas alinhadas duas a duas. Duas na horizontal, as outras duas na vertical. Os fotões são acelerados e são varridos nos dois eixos por campos magnéticos. Os fotões colidem com a tela sensível à sua colisão. Três grupos de fotões, um para cada órgão sensorial da nossa retina. Mas é muito mais que isso. São imagens em movimento, pessoas que vemos no dia a dia, são vozes, palavras, sangue, guerras que nos entram pelo lar na nossa intimidade, são assaltos, são oradores, são revolucionários que falam na TV depois de deporem os anteriores, advogando os próprios que eles sim são a salvação. São os jornais da telé, não são apenas fotões! Enganem-se os físicos que a TV é apenas um acelerador de partículas sem massa. Se um fotão não tem massa, meu caro físico, tem algo deveras muito mais importante e avassalador, tem energia. Tem energia que convertida em símbolos em movimento entra-nos no inconsciente e programa-nos a fazermos aquilo que as elites querem que façamos. A pérfida TV. Votamos sempre nos mesmos partidos, dizemos sempre que sim aos mesmos senhores, mamamos sempre do mesmo, dos pérfidos criadores da TV. Os malefícios da caixa são incalculáveis. Trazem-nos o “horror, o pânico e a tragédia” para dentro dos lares. A fobia do próximo guardei-a da TV, pois quando ligava o jornal da noite via da América Latina apenas mortes, tragédia, assaltos, crime organizado e criminalidade brutal, de África trouxe-me apenas guerras, sida, miséria e fome, da Ásia trouxe-me prostituição infantil, trabalho infantil e tríades mafiosas, e da Europa e da América a TV trouxe-me progresso. É esta a TV que nos é oferecida, é esta a TV que nos é imposta, a TV que sempre foi o mais altos dos pilares dos movimentos revolucionários.
Não tenhais dúvidas, que se hoje houvesse uma revolução, não seria o parlamento em S. Bento o bastião a tomar, seriam antes os estúdios de Cabo Ruivo, Carnaxide e Queluz. E aqueles que lhe chamam o quarto poder, deveriam reflectir e asseverar que é no fundo, nos dias que correm o poder primordial, o primeiro.
A TV é autista, tem o núcleo duro que emana as ideias a todos os que a captam, já a rede é bem mais liberal, libertária, e salvo as excepções de uma certa monopolização por parte de alguns servidores de renome internacional, oferece muito mais inter comunicabilidade aos cidadãos. A rede é muito mais uma plataforma de cidadania, onde o indivíduo pode trocar, comunicar, pois o que a TV faz não é comunicar, a TV “informa”, ou seja comunica unidireccionalmente, tendo nós meros plebeus que mamar com o suco que ela produz.
Viva a rede libertária, abaixo a TV opressora!

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